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18/03/2011

OAB CONSELHO FEDERAL - CLÁUSULA QUOTA LITIS. ABUSO. INFRAÇÃO


Consulta 2010.29.03728-01

Origem: Processo Originário
Assunto: Consulta. Recebimento de honorários. Término do processo.
Consulente: Maria Adelaide Machado Rocha (OAB/MG 11328).
Relator: Conselheiro Federal Maryvaldo Bassal de Freire (RR).

EMENTA: CONSULTA. CLÁUSULA QUOTA LITIS. POSSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. UTILIZAÇÃO NÃO CORRIQUEIRA. ABUSO. INFRAÇÃO ÉTICO-DISCIPLINAR.

RELATÓRIO

Trata-se de consulta, de matéria em tese, formulado pela Advogada MARIA
ADELAIDE MACHADO ROCHA, OAB – MG 11.328, nos seguintes termos:

“Se a celebração de contrato de prestação de serviços
jurídicos onde o Advogado aceita receber seus honorários
somente quando do final do processo, especificamente
quando do trânsito em julgado, transigindo com o seu cliente
em receber a parte auferida a título dos atrasados
(compreendido do período da data da citação do réu (INSS)
até o trânsito em julgado da Sentença), se ofende alguma
regra estatuída no estatuto da OAB e do respectivo Código de
Ética e Disciplina (...)

A consulta foi recebida neste Conselho Federal, devidamente autuada e
encaminhada ao Órgão Especial do Conselho Pleno, onde, o eminente Presidente, Dr. Alberto de Paula Machado, determinou a distribuição do feito, cuja relatoria foi a mim atribuída.

É o relatório.

VOTO

Recebo a consulta, e dela conheço, uma vez que atendidos os requisitos do art. 85, inc. IV, do Regulamento Geral do EAOAB, combinado com o art. 75, parágrafo único, do mesmo diploma, segundo o qual o Conselho Pleno pode decidir sobre todas as matérias privativas de seu Órgão Especial, quando o Presidente atribuir-lhe caráter de urgência e/ou relevância, como no caso em análise. Essa matéria é de repercussão geral, e sobremaneira na atuação da advocacia, motivo que enseja o pronunciamento deste Egrégio Conselho Federal.

No mérito, constato, após profunda análise sobre o tema, que a questão central da consulta é a legalidade e limites da cláusula quota litis. Encaro a tarefa a mim conferida com deveras responsabilidade, pois a resposta desta consulta balisará a atuação de todos os tribunais de ética da OAB pelo país. E desde já declaro que não existem respostas fáceis, sendo necessária análise sistemática do regime jurídico disciplinar.

O Código de Ética e Disciplina da OAB contempla a possibilidade do advogado
pactuar com seu cliente, mediante contrato escrito, a cláusula quota litis, onde assume os custos do processo e o risco do resultado, sendo remunerado ao final, acaso a ação seja procedente:

Art. 38. Na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os
honorários devem ser necessariamente representados por
pecúnia e, quando acrescidos dos de honorários da
sucumbência, não podem ser superiores às vantagens
advindas em favor do constituinte ou do cliente.

Portanto, a celebração de contrato de prestação de serviços jurídicos onde o
Advogado aceita receber seus honorários somente quando do final do processo, mesmo quando do trânsito em julgado, em princípio, por si só, não fere o regime disciplinar. Todavia, é por demais importante destacar que a cláusula quota litis é tolerada como medida excepcional, não corriqueira, quando efetivamente se verificar, com lastro documental, a irremediável impossibilidade financeira do cliente para suportar os honorários processuais, senão quando colher os frutos da ação eventualmente procedente, sob pena de violação da dignidade da advocacia, pelos motivos objetivamente elencados:

1. A regra de contratação e estipulação de honorários advocatícios é o de
pagamento concomitante à atuação do advogado, conforme dispõe o art. 22
§ 3º da Lei 8906/94[1]. As balizas de contratação de honorários são as
dispostas nos arts. 35 e 36 do Código de Ética e Disciplina - CED, sendo a
cláusula quota litis (art. 38) medida de exceção;

2. O art. 37 do CED estabelece que “em face da imprevisibilidade do prazo
de tramitação da demanda, devem ser delimitados os serviços
profissionais”, a fim de que outras medidas decorrentes da causa possam
ter novos honorários estimados;

3. Em regra, a atividade do advogado é de meios, e não de resultados. O que
garante o direito do advogado a perceber honorários não é sua vitória, mas
sua atuação. É por isso, inclusive que, recentemente, este e. Conselho
Federal, em acórdão de minha relatoria, firmou o entendimento de que o
advogado faz jus aos honorários por sua atuação extrajudicial (Proc.
Consulta n 2009.27.05353-02, Dj 07.05.2010);

4. Em regra, não cabe ao advogado assumir os encargos processuais das lides
de seus clientes. As custas processuais devem ser suportadas pelas partes
litigantes, não por seus mandatários judiciais;

5. O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais
(art. 41 CED), o que também implica na proibição de trabalhar sem
garantias concretas de receber seus honorários, fragilizando a profissão;

6. A adoção da cláusula quota litis como prática regular e corriqueira, vulnera
a dignidade da profissão, eis que fragiliza o sustento do advogado;

7. A adoção da cláusula quota litis como prática regular e corriqueira,
mercantiliza o exercício da advocacia, o que é expressamente vedado pelo
art. 5º do Código de Ética e Disciplina;

8. A adoção da cláusula quota litis como prática regular e corriqueira, pode
acarretar em prática desleal para com os advogados que dela não se
utilizam.

Neste compasso, transcrevo relevante julgamento acerca do tema, proferido
pela seccional de São Paulo:

TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA – OAB SP
“(...) A cláusula quota litis é exceção à regra. Esse tipo de
cláusula contratual, como exceção, é admitida em caráter
excepcional, na hipótese de cliente sem condições
pecuniárias, desde que contratada por escrito. De qualquer
forma, a soma dos honorários de sucumbência e o de quota
litis, não pode ser superior às vantagens advindas a favor do
cliente (art.38, “in fine”). Ao advogado é vedado participar
de bens particulares do cliente. Os olhos do advogado devem
fixar-se nos preceitos e princípios da ética, a fim de que não
venham a ofender o direito e a justiça.” (Proc. E-3.025/2004 –
v.u., em 16/09/2004, Rel. Dr. JOSÉ ROBERTO BOTTINO)

Destarte, tem-se que a regra é a pactuação de recebimento concomitante à atuação do advogado, sendo a cláusula quota litis exceção tolerada pelo regime disciplinar para casos específicos, imprescindíveis, cuja necessidade esteja devidamente comprovada.

Ressalte-se que a atuação profissional dos advogados é indispensável à
administração da Justiça, conforme previsão Constitucional, e, consequentemente não há como aceitar-se que a prestação jurisdicional seja eficiente quando um de seus pilares encontra-se prejudicados.

Imperioso destacar que o mandato judicial ou extrajudicial não se extingue pelo
decurso do tempo, mantém-se válido desde que permaneça a confiança recíproca entre o outorgante e seu patrono no interesse da causa, conforme dispõe o artigo 16 do Código de Ética e Disciplina da OAB.

Neste sentido, é o seguinte julgado:

Ementa 121/2001/SCA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO PRÉVIOENTRE CLIENTE E ADVOGADO. O que preside as relações do cliente com o Advogado é o princípio da confiança recíproca. Mas a cautela recomenda que, apesar disso, seja avençado entre as partes contratantes como, de que modo, por quem e em que valores será estipulada a verba honorária devida àquele que atuará na causa. Poderá, entretanto, ser demonstrada, excepcionalmente, tal avença por todos os meios lícitos em
direito permitidos, tais como documentos, declarações válidas de vontade e prova testemunhal. O Advogado percebe a contraprestação em dinheiro, como qualquer trabalhador, pelo serviço executado. Aquela é chamada de verba honorária ou honorários advocatícios. Seria ilógico, desumano e injusto admitir-se a hipótese de alguém trabalhar sem perceber. Mas existem os chamados contratos de ‘risco’ que, pela complexidade, dificuldade, riscos de êxito, demora, etc., são acordados entre as partes, fixando-se, além da sucumbência, um percentual de honorários em cima do que ganhou o cliente da causa. Por óbvio, esse contrato excepcional, há a possibilidade de insucesso
para a parte, logo, insucesso também para o Advogado. Não obra com má fé Advogado que expressa ou tacitamente, atuou à luz desse tipo excepcional de contrato. (Recurso nº 2.398/2001/SCA-SC. Relator: Conselheiro Nereu Lima (RS), julgamento: 12.11.2001, por unanimidade, DJ 08.01.2002, p. 45, S1)

CONCLUSÃO

Diante das explanações ora realizadas, profiro meu voto nesta consulta, no sentido de que a celebração de contrato de prestação de serviços jurídicos, pactuando a clausula quota litis, onde o Advogado aceita receber seus honorários somente quando do final do processo, mesmo quando do trânsito em julgado, em princípio, por si só, não fere o regime ético-disciplinar.

É como voto.

Brasília/DF, 21 de junho de 2010.


MARYVALDO BASSAL DE FREIRE
Conselheiro-relator


Consulta 2010.29.03728-01
Origem: Processo Originário
Assunto: Consulta. Recebimento de honorários. Término do processo.
Consulente: Maria Adelaide Machado Rocha (OAB/MG 11328).
Relator: Conselheiro Federal Maryvaldo Bassal de Freire (RR).

EMENTA _____/2010/OEP: CONSULTA. CLÁUSULA QUOTA LITIS. POSSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS.

ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos ACORDAM os
Conselheiros Federais integrantes do Órgão Especial, por unanimidade, em conhecer da consulta e responde-la, nos termos do voto do relator, o qual integra o julgado.

Brasília, 21 de junho de 2010.

Alberto de Paula Machado
Presidente do Órgão Especial

Maryvaldo Bassal de Freire
Conselheiro-relator


[1] art. 22 § 3º Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o restante no final.



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