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02/05/2011

Autoridade que fura fila e dá voz de prisão comete o crime de ‘abuso de autoridade’ com violação ao artigo 4º, ‘a’, da Lei nº 4.898/1965 (julgado de 2007)

Foto do site 'mulheresnopoder'
ELIANA CALMON
Ministra do STJ

 
Desenho do blog arteerabisco (Ed Carlos J. Santana)

RECURSO ESPECIAL Nº 782.834 - MA (2005/0155710-2)
EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRISÃO ILEGAL. ATO ILÍCITO PRATICADO POR AGENTE PÚBLICO. ABUSO DE AUTORIDADE. DENUNCIAÇÃO À LIDE DIREITO DE REGRESSO VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC: INEXISTÊNCIA. 1. Os embargos de declaração devem apresentar razões que estejam correlatas com os pontos indicados como omissos ou contraditórios do recurso especial, a pretexto de violação do art. 535 do CPC, sob pena de inovação na lide. 2. Inexistindo omissão ou contradição e estando bem fundamentado o acórdão, afasta-se a alegação de contrariedade aos arts. 165, 458 e 535 do CPC. 3. O direito de regresso fica garantido ao Estado na medida em que reconhece tenha o agente público agido com dolo. 4. Recurso especial improvido.

ACÓRDAO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do (a) Sr (a). Ministro (a)-Relator (a)." Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Dr (a). PEDRO LEONEL PINTO DE CARVALHO, pela parte: RECORRENTE: SINDÔNIS SOUZA DA CRUZ

Brasília-DF, 20 de março de 2007 (Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON
Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: - Trata-se de recurso especial interposto, com base nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão assim ementado (fl. 295):
APELAÇÃO CÍVEL. AÇAO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO ILÍCITO PRATICADO POR AGENTE PÚBLICO. ABUSO DE AUTORIDADE. TEORIA DO RISCO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. DIREITO DE REGRESSO. VALOR DA VERBA HONORÁRIA. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS LEGAIS. I - A teoria do risco administrativo que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz com que o dever de reparar o ato lesivo sofrido pela vítima, surja da mera ocorrência do mesmo, cabendo a indenização tanto pelo dano pessoal quanto patrimonial, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço.
II - Demonstrado o abuso de autoridade praticado pelo agente público, o qual deu ensejo à ação reparatória, deve o litisdenunciado ressarcir o Estado pelos valores despendidos com a reparação dos danos morais. III - O Código de Processo Civil estabelece os limites da fixação da verba honorária, devendo o magistrado arbitrá-la de acordo com os critérios legais. IV - 2º apelo parcialmente provimento e demais improvidos.

Aponta o recorrente ofensa aos arts. 165, 458, II, 535, II e 70, III, todos do CPC, sustentando: a) que não foi enfrentada, de modo satisfatório, a tese em torno do art. 70, III do CPC; b) o não-cabimento de denunciação da lide na hipótese, seja porque o recorrente não agiu na qualidade de agente público, seja porque o Estado (réu na ação principal) defendeu expressamente a legalidade da conduta do agente público; c) o direito de regresso da Administração Pública contra o servidor público somente teria pertinência se o Estado-denunciante tivesse apontado que seu agente concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso, o que não foi o caso; e d) na contestação, o Estado do Maranhão defendeu plenamente a regularidade da conduta de seu agente, sendo inviável o pedido de denunciação porque incompatível com a própria tese de defesa; afirma que nesse sentido há precedentes do STJ, passando a transcrevê-los.

Sem contra-razões, subiram os autos, admitido o especial na origem.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): - Segundo consta do voto condutor do julgado, os fatos que embasaram a pretensão podem ser assim resumidos:

Em 08/05/2000, o autor, Sr. Euvaldo Bezerra Rapozo, encontrava-se na fila do Banco do Estado do Maranhão S/A - BEM, quando o Delegado Sindônis Souza da Cruz passou à frente de todos e dirigiu-se ao caixa. Passaram eles, então, a discutir porque o Delegado teria "furado a fila" e, no ápice do desentendimento, o Delegado deu voz de prisão ao autor por desacato à autoridade, tendo sido ele forçado a manter-se sentado até que, preso, foi recolhido à Delegacia, onde lavrou-se auto de prisão em flagrante. O conduzido, para ser posto em liberdade, precisou pagar fiança.

O Tribunal entendeu que a conduta do autor não se enquadra no tipo do art. 331 do Código Penal porque a sua revolta não se deu em virtude da função de Delegado do litisdenunciado, mas porque alguém passou à frente de todos os que se encontravam na fila.

Após reconhecer a responsabilidade do Estado pela ilegal prisão, o Tribunal a quo manteve a sentença quanto à denunciação da lide pelos seguintes argumentos (fl. 298):
... importante mencionar que a mesma corresponde a uma ação regressiva proponível tanto pelo autor quanto pelo réu, onde cita-se como denunciada a pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão de reembolso caso venha a ser sucumbente na ação principal. Observa-se, no caso em análise, que conforme já mencionado, o Sr. Sindônis Souza, 3º apelante, não se encontrava na qualidade de Delegado no momento do evento, onde, conseqüentemente, sua conduta de dar voz de prisão ao autor e mobilizar o aparato estatal para efetivá-la, consistiu em verdadeiro abuso de autoridade, devendo permanecer inalterada a parte da sentença que julgou procedente a denunciação à lide.

Inconformado, o ora recorrente interpôs embargos de declaração, alegando:
1) o acórdão é obscuro quando não narra os fatos da lide conforme nos autos comprovado, embasando-se em fato inexistente (pois o autor não "furou a fila"); a identificação da culpa é elemento primordial para incidência do art. 37, da CF; 2)é contraditório o julgado, quando mistura os conceitos de "desacato" e "abuso de poder", bem como se o recorrente estava na agência bancária na qualidade ou não de agente público; e 3) que o Tribunal não se pronunciou sobre o cerceamento de defesa ocorrido.

Cotejando os argumentos alinhados nos embargos declaratórios e as questões ditas omissas no especial a ensejar a violação dos arts. 165, 458, II, 535, II, do CPC, verifico que há um descompasso entre eles, na medida em que houve inovação no recurso especial no que diz respeito à tese de que seria incabível a denunciação da lide porque o Estado defendeu a legalidade da conduta do agente público, porque não alegado nos embargos declaratórios.

Os declaratórios foram rejeitados (fls. 319/323), mas o Tribunal, no que interessa ao julgamento do especial, pronunciou-se nos seguintes termos:
(...) De outro lado, ficou devidamente esclarecido que a conduta do embargante, qual seja, de dar voz de prisão ao autor, consistiu em verdadeiro abuso de autoridade, não se confundindo, portanto, com o conceito de desacato à autoridade.

Ao contrário, do que, equivocadamente afirma o embargante, em momento algum foi reconhecido pelo acórdão recorrido que o mesmo encontrava-se investido nas funções de Delegado quando da ocorrência do evento, restando demonstrado de maneira clara que a atividade relacionada à abertura de contas com finalidades pessoais não é típica dessa função.
(fl. 322)

O acórdão recorrido, concluiu, em síntese:
a) que a conduta do autor não se enquadra no tipo do art. 331 do CP porque o Delegado Sindônis não estava no desempenho de suas funções quando procurou atendimento para abertura de conta corrente necessária ao ressarcimento de despesas pessoais; b) o litisdenunciado, ora recorrente, agiu como agente público ao mobilizar o aparato estatal e efetivar a ilegal prisão do autor; por isso, há responsabilidade civil do Estado e, em razão do abuso de autoridade, cabe o ressarcimento do Estado pelo litisdenunciado.

Após a pertinente retrospectiva, verifico inexistir qualquer omissão ou contradição no julgado que implique em ofensa ao art. 535 do CPC, estando devidamente fundamentado, o que também afasta a alegada contrariedade aos arts. 165 e 458, II, do CPC.

Quanto à violação do art. 70, III do CPC, também não assiste razão ao recorrente porque ficou suficientemente claro que o Tribunal a quo partiu da premissa de que ele agiu com dolo e abuso de poder ao prender ilegalmente o autor, o que justifica o direito de regresso do Estado.

Com essas considerações, nego provimento ao recurso especial, tanto pela alínea a, quanto pela alínea c do permissivo constitucional.

Relatora
Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOAO OTÁVIO DE NORONHA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS FONSECA DA SILVA

Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do (a) Sr (a). Ministro (a)-Relator (a)."
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 20 de março de 2007

VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária


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