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02/06/2011

OAB: história da Amazônia não pode continuar sendo escrita com sangue


(Arte do site 'adscreative.wordpress.com - Greenpeace / Meia Amazônia Não!')

(Arte do blog 'cinepovo' - Chico Mendes - O Preço da Floresta (2008))



(Missionária Americana Dorothy Mae Stang - Blog 'Os Prodígios' - por Rogério Ribeiro)



Vista aérea de protesto contra a devastação da Amazônia, na abertura do Fórum Social Mundial em Belém, no Pará. O jornal The New York Times destaca a iniciativa do governo brasileiro de impedir a ação de latifundiários e grandes fazendeiros na Amazônia paraense (BOL Notícias - 01/2010)


Ophir Cavalcante
Presidente Nacional da OAB

Felipe Milanez/Terra Magazine
Os extratitivistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva (24/05/2011)


Felipe Milanez/Terra Magazine


Felipe Milanez/Terra Magazine



Adelino Ramos, o Dinho, denunciou que sofria ameaças ao ouvidor agrário nacional, Gercino Silva, em julho do ano passado - site 'amazoniadagente'


"Lamentavelmente, eles são novos personagens de uma história que continua a ser escrita com sangue na Amazônia e que precisa ter um fim"
(Ophir Cavalcante)

"A situação de paralisia e descaso das autoridades federais e estaduais, diante dessa grave questão, praticamente em nada mudou com o passar de todos esses anos"
(Ophir Cavalcante)

Reforma agrária não é só dar terra. Não só este governo agora, mas também o passado, tem sido pródigo em dar lotes para assentamentos rurais. Mas adianta dar lotes sem estrutura, sem que se garanta o escoamento da produção? Sem garantir que as estradas por onde ocorra esse escoamento funcionem? Digo isso porque, na Transamazônica, se leva cinco horas ou até dias para percorrer 80 quilômetros em época de chuva. Não há, portanto, infra-estrutura. Enquanto não houver um olhar macro para tudo isso, teremos mais mortes e continuaremos correndo atrás para justificar, internacionalmente, que o Brasil se preocupa com os direitos humanos. E a história se repete, já que de Dorothy para cá, nada mudou. Eu desafio os governos federal e do Pará a mostrar o que mudou naquela região em termos de condições de vida para as pessoas e de dignidade, desde a morte de Dorothy Stang. O que temos é mais desmatamento, mais comércio de madeira ilegal e operações episódicas do governo federal no que toca a esse combate. Vamos continuar a ter mortes no Pará. Outras virão.
(Ophir Cavalcante)


Brasília, 01/06/2011 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, cobrou hoje (01) "um olhar mais direto e efetivo por parte das autoridades públicas para corrigir os rumos da fiscalização e atuação governamental na Amazônia, evitando-se novas mortes a tiros por conta de grilagem e desmatamentos". As últimas vítimas dessa "guerra" foram o casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna (PA), e Adelino Ramos, em Vista Alegre do Abunã (RO), os três líderes ambientalistas executados semana passada após receberem ameaças de madeireiros. "Lamentavelmente, eles são novos personagens de uma história que continua a ser escrita com sangue na Amazônia e que precisa ter um fim", afirmou Ophir.

O presidente nacional da OAB avalia que, passados 23 anos da morte, também por emboscada, do histórico líder seringueiro Chico Mendes, no Acre, milhares de promessas e acenos foram feitos pelas autoridades, mas muito pouco ou quase nada se fez nessa área.
"Essa falta de políticas públicas para enfrentar a questão da terra demonstra que quem está matando todos esses líderes sindicais, infelizmente, é o governo, a partir de sua omissão", afirma. "A situação de paralisia e descaso das autoridades federais e estaduais, diante dessa grave questão, praticamente em nada mudou com o passar de todos esses anos", sustentou ele, com a autoridade de quem, natural do Pará, foi presidente por dois mandatos da OAB naquele Estado (2001-2006).

Ophir Cavalcante conhece de perto a realidade da violência no campo na região Amazônica e, até por isso, acompanha com especial atenção a movimentação atual do governo diante da retomada da cobrança da sociedade civil - inclusive da OAB - por maior proteção às pessoas "marcadas para morrer" na região, como são chamados os líderes camponeses e ambientalistas que sofrem ameaças de morte. Ele disse esperar que a promessa oficial de ações não represente repetição de um filme já visto no passado. "Temo que essa repetição ocorra, caso não sejam adotadas medidas concretas e articuladas de combate ao crime na região e de políticas públicas que levem efetivamente a uma reforma agrária", disse.

Em fevereiro de 2005, quando a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada em Anapu, sudeste do Pará, Ophir era presidente da Seccional da OAB no Estado. Dois meses antes, em dezembro de 2004, ele havia concedido a Dorothy a Medalha José Carlos de Castro - condecoração instituída pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA para distinguir aqueles que se destacam na luta em defesa das minorias. Logo após o assassinato da freira, além de cobrar providências das autoridades, ele denunciou o caso à ONU e se empenhou pela federalização das investigações e do tratamento judicial do caso Dorothy.

"A morte de Dorothy apontou um caminho no sentido de que sua luta não foi em vão", conclui hoje o presidente nacional da OAB. "Mas, a demora na solução do problema da terra na Amazônia, por parte das autoridades, tem um reflexo perigosamente negativo, que pode ocasionar outros graves conflitos no campo, com perda de mais vidas. É necessário, portanto, que haja uma política pública mais efetiva no sentido de se fazer, efetivamente, a reforma agrária neste País".

Eis a entrevista do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, abordando a questão:


P - Como o senhor viu o assassinato do casal de ambientalistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo, que denunciavam o desmatamento no Pará - o mesmo destinado que tiveram Chico Mendes e Dorothy Stang na região da Amazônia?

R - Fiquei consternado enquanto ser humano. Foi a vida de mais um casal, perdida por uma luta que, espera-se, não seja em vão. O objetivo maior é alcançar a paz social e a paz no campo. No entanto, uma pergunta faz-se inevitável: quantas mortes ainda teremos que lamentar até que isso, de fato, aconteça. É necessário um olhar muito mais direto e efetivo por parte das autoridades públicas para corrigir os rumos da fiscalização e atuação governamental, evitando-se novas mortes a tiros por causa de grilagem e desmatamentos.


P - O senhor acredita que esse novo assassinato é uma continuidade entre os crimes fundiários como o da morte da norte-americana Dorothy Stang?

Esse é só mais um capítulo de uma história que continua a ser escrita com sangue na Amazônia. Eu era presidente da OAB do Pará quando Dorothy Stang foi assassinada em Anapu, no interior do oeste paraense. Para responder à intensa cobrança internacional, já que se tratava de uma missionária norte-americana, o governo federal montou um gabinete de crise, transferindo para o Pará os Ministérios relacionados, como o da Reforma Agrária e o da Defesa, numa verdadeira operação de guerra, com helicópteros, soldados camuflados descendo na floresta e um trabalho conjunto com as Polícias Militar e Civil do Estado à procura dos assassinos da irmã Dorothy. No entanto, hoje percebemos que a pirotecnia do governo federal foi direcionada exclusivamente a responder à demanda da mídia e do interesse internacionais. Hoje, tudo permanece igual, com o governo apenas atacando os efeitos e não as causas.


P - O que foi feito daquela época até os dias de hoje?

R - A situação hoje em Anapu, onde vários assentamentos foram feitos, piorou, segundo relatos fiéis que recebemos. As pessoas que reagiam e que eram estimuladas pela irmã Dorothy a denunciar hoje se calaram. Muitos já saíram de lá com medo. O que prevalece naquela região é a grilagem de terras, antes destinadas à reforma agrária, e o desmatamento ilegal. Isso porque não houve e não há uma política continuada de reforma agrária naquela região. Essa falta de política permanente demonstra que quem está matando todos esses líderes sindicais, infelizmente, é o governo a partir de sua omissão. E isso é muito grave. Se não houver uma correção disso, teremos em breve outras mortes, com o crime e a impunidade prevalecendo. Vejo agora, em função da morte do casal em Nova Ipixuna, no oeste do Pará, a mesma postura do governo federal em relação a essa questão.


P - Pode o governo federal alegar que este é um problema do Estado do Pará?

R - É um equívoco, pois esse é um problema dos dois governos, da sociedade, da defesa do meio ambiente e da Amazônia, que requer um olhar muito mais responsável por parte das autoridades. Por que se diz que o governo federal não pode atribuir essa culpa ao governo do Estado isoladamente e nem este pode atribuir a culpa ao governo federal? Porque as terras em que esses crimes ocorreram são terras devolutas, ou seja, pertencem à União Federal, uma vez que nunca foram devolvidas ao Pará após o golpe militar. Não há por parte do governo federal, a quem cabe fazer a reforma agrária, nenhum trabalho efetivo de implementação dessa reforma e nem há, sobretudo, um trabalho conjunto das forças de segurança federais e do Estado no sentido de se lançar um plano estratégico de segurança para aquela região. Não há, em verdade, um planejamento estratégico para implementar uma fiscalização continuada e nem um monitoramento intenso das áreas desmatadas. Faltam, sobretudo, políticas sociais para essa área.


P - Essa ausência de políticas sociais e de fiscalização das quais o senhor fala, inviabiliza a reforma agrária?

R - Sim. A inexistência de uma política agrária e de regularização fundiária para aquela região faz com que os problemas persistam. Infelizmente, ali passou a ser terra de ninguém. É terra onde quem manda não é o Estado brasileiro, mas a força da bala, de quem pode aterrorizar. O medo é o que faz com que as pessoas nada denuncie, temendo que aconteçam mortes como ocorreu agora. Isso requer um trabalho conjunto do governo federal com as forças militares do Pará e um trabalho estratégico com o Ministério Público e com Judiciário estadual, no sentido de que esses crimes no campo sejam punidos.


P - Esse tipo de parceria nunca ocorreu no Pará?

R - Havia no passado um programa do Tribunal de Justiça do Pará de acompanhamento estratégico desses processos relacionados a crimes de pistolagem no campo, do qual participaram a OAB, CPT e Ministério Público. Atualmente, lamentavelmente, isso não mais existe. Entendo que a luta contra as mortes e os crimes de desmatamento e de grilagem só poderá ser vencida se houver um trabalho forte e integrado entre a União Federal, o Estado do Pará, o Ministério Público e o Judiciário. Isso porque enfrentamos uma luta desigual. O Estado está ausente daquela região por falta de recursos e assim não adota nenhuma política de inclusão e de reforma agrária. Só o que faz é responder quando várias vidas são ceifadas. É, pois, necessário, que todos afastem suas justificativas para jogar a culpa uns nos outros, as vaidades enquanto governantes, e pensem no povo miserável que mora naquela região, que não tem para onde escoar a produção de seus lotes, que não tem estradas, que não tem educação ou saúde. Se houvesse essa presença do Estado, certamente evitar-se-ia muitas dessas mortes.


P - Vive-se uma reforma agrária de faz de conta então?

R - Não dá para fingir que se faz reforma agrária e que se dá assistência às testemunhas que gostariam de depor e denunciar. Sabemos que os programas de proteção à testemunha no Brasil são um verdadeiro desestímulo à denúncia. Enquanto não houver esse olhar mais efetivo sobre esses problemas, ao invés de se responder a situações a partir do que é pautado pelas mídias nacional e internacional em razão de assassinatos no campo, vamos continuar tendo mais mortes. A inércia governamental e a falta de uma política continuada de reforma agrária efetiva são as maiores responsáveis por esses crimes .


P - Enquanto essas políticas sociais continuadas não saírem do papel não será possível se falar em reforma agrária efetiva?

R - Reforma agrária não é só dar terra. Não só este governo agora, mas também o passado, tem sido pródigo em dar lotes para assentamentos rurais. Mas adianta dar lotes sem estrutura, sem que se garanta o escoamento da produção? Sem garantir que as estradas por onde ocorra esse escoamento funcionem? Digo isso porque, na Transamazônica, se leva cinco horas ou até dias para percorrer 80 quilômetros em época de chuva. Não há, portanto, infra-estrutura. Enquanto não houver um olhar macro para tudo isso, teremos mais mortes e continuaremos correndo atrás para justificar, internacionalmente, que o Brasil se preocupa com os direitos humanos. E a história se repete, já que de Dorothy para cá, nada mudou. Eu desafio os governos federal e do Pará a mostrar o que mudou naquela região em termos de condições de vida para as pessoas e de dignidade, desde a morte de Dorothy Stang. O que temos é mais desmatamento, mais comércio de madeira ilegal e operações episódicas do governo federal no que toca a esse combate. Vamos continuar a ter mortes no Pará. Outras virão.


P - E como se resolver esse problema de falta de políticas destinadas àquela área?

R - Essa é uma questão que, certamente, não se resolverá da noite para o dia, pois se requer ações de médio e longo prazos. No entanto, se esse trabalho tivesse se iniciado a partir do assassinado de Dorothy Stang, como se prometeu, não teríamos a situação que hoje temos, que é igual ou pior àquela. De igual, aliás, temos três grandes mazelas: a grilagem de terras, o comércio ilegal de madeiras e o assassinato de pessoas que tentaram se insurgir contra essa situação. No mais, não há nenhuma política efetiva que tenha mudado essa realidade.



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