LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
É ilícita a gravação de conversa informal entre os policiais e o conduzido ocorrida quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, se não houver prévia comunicação do direito de permanecer em silêncio.
A conclusão é da Sexta Turma do STJ no julgamento do HC 244.977-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, em 25/9/2012 e disponível no Informativo de Jurisprudência 505.
No TJ-SC indeferiu-se o pedido de desentranhamento do conteúdo da gravação dos autos, com base em jurisprudência no sentido de que, quando a gravação ocorre por um dos participantes do diálogo, e não por um terceiro, o procedimento é válido e a prova é considerada lícita.
De acordo com o STF: “AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. RE n. 583.937 QO-RG/RJ, Ministro Cezar Peluso, DJe 17/12/2009.
Contudo, tal entendimento, pacífico no STF, não se aplica ao caso em análise. Isso porque, segundo consta, houve uma conversa entre os policiais e o paciente, antes do interrogatório, tendo sido gravado o diálogo e juntado aos autos da ação penal como elemento de prova. Ocorre que o preso exerceu o direito de permanecer calado, situação que se mostra incompatível com a permanência de um diálogo gravado na delegacia, nos autos.
Para o Min. relator, a Lei Maior ao dispor que o preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado (art. 5º, LXIII), está ditando uma regra a ser seguida pelo Estado, mormente em situações como esta que se relata no presente HC.
O acusado não foi informado, por ocasião do diálogo gravado com os policiais, da existência desse direito assegurado na Constituição Federal.
Para ele, o paciente não apenas se viu sem o direito constitucional de ser informado de seus direitos e de permanecer calado, mas também houve desobediência ao princípio da imunidade à autoacusação (nemo tenetur se detegere).
STJ – Informativo n. 0505:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. ILICITUDE DE PROVA. GRAVAÇÃO SEM O CONHECIMENTO DO ACUSADO. VIOLAÇÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO.
É ilícita a gravação de conversa informal entre os policiais e o conduzido ocorrida quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, se não houver prévia comunicação do direito de permanecer em silêncio. O direito de o indiciado permanecer em silêncio, na fase policial, não pode ser relativizado em função do dever-poder do Estado de exercer a investigação criminal. Ainda que formalmente seja consignado, no auto de prisão em flagrante, que o indiciado exerceu o direito de permanecer calado, evidencia ofensa ao direito constitucionalmente assegurado (art. 5º, LXIII) se não lhe foi avisada previamente, por ocasião de diálogo gravado com os policiais, a existência desse direito. HC 244.977-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/9/2012.
Muito acertada a decisão do STJ. A oitiva do suspeito na delegacia de polícia está inteiramente disciplinada nas leis e na CF. Só pode ocorrer na forma prevista no devido processo legal. Não existe previsão legal para a oitiva particular ou privada dele na fase policial (no momento da prisão em flagrante, sobretudo). Tudo foi feito fora da lei. Logo, estamos diante de prova obtida por meio ilícito.
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.