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17/05/2013

Alteração do CPC: Leis, salsichas e o noviço art. 285-B



O título desta postagem nos remete à frase comummente atribuía ao chanceler Alemão Otto von Bismarck (unificador da Alemanha, morto em 1898),  e cuja titularidade é objeto de debate: “Leis, como salsichas, deixaram de inspirar respeito na proporção em que sabemos como são feitas”. Polêmicas a parte (e se Bismarck disse isso ou não, não…




O título desta postagem nos remete à frase comummente atribuía ao chanceler Alemão Otto von Bismarck (unificador da Alemanha, morto em 1898),  e cuja titularidade é objeto de debate: “Leis, como salsichas, deixaram de inspirar respeito na proporção em que sabemos como são feitas”.
Polêmicas a parte (e se Bismarck disse isso ou não, não subtrai a verdade do que a frase  quer dizer), se soubéssemos como as leis e as salsichas são fabricadas, teríamos grande repulsa em nossos estômagos ao consumi-las. Pensemos nas salsichas (e imagino eu, principalmente aquelas dos padrões sanitários do fim do século XIX), o que estaria por trás de seu gosto saboroso? Quais sortes de entranhas estaríamos a consumir negligentemente?
Confesso que não precisei refletir para relacionar o novo artigo 285-B do Código de Processo Civil (criado ontem, sem um minuto sequer de vacatio legis) às salsichas de Bismarck.
Mudanças na lei processual, em países como os Estados Unidos, partem de intensos debates  nas cortes superiores (estas  competentes para criarem as  Rules of Civil Procedure). Os Ingleses, por sua vez, ao reformarem a lei processual, realizaram debates e relatórios (vide Woolf Report)  extensos e  profundos. O mesmo diria a respeito dos descendentes de Bismarck.  Por aqui não… para se mudar a lei processual basta inserir um artigo perdido no meio de uma lei tributária, criada para dispor (conforme sua própria ementa) sobre “parcelamento de débitos com a Fazenda Nacional relativos às contribuições previdenciárias de responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
É estranho, mas verdadeiro. Algum passarinho legislativo disse para o nosso legislador que nas demandas que questionam abusos em contratos  de “empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil” os consumidores lesionados não poderiam parar de pagar suas obrigações, e deveriam estipular — desde logo em seus pedidos — o valor exato que entendem devido, sob pena de inadmissibilidade, para que a sanha cobradora (provavelmente dos fornecedores de alpiste para este passarinho) não se suspendesse por um segundo sequer. Assim prevê o artigo 21 da Lei 12.810/2013 que entrou em vigor ontem:
“Art. 21. A Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 285-B: Art. 285-B. Nos litígios que tenham por objeto obrigações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso. Parágrafo único. O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados.”
Se o caput é malicioso, o parágrafo único é uma punhalada. Num emaranhado de artigos que tratam de relações jurídicas tributárias, colocou-se ai uma norma processual completamente descontextualizada, e sem a mínima consulta prévia da sociedade. Diria até que de forma traiçoeira, ao passo que discutimos em todo o país um novo código de processo civil, cuja última versão, conforme relatório da Câmara divulgado na semana passada, nada diz a respeito do assunto. Limita-se a  prever  basicamente os requisitos genéricos e atuais do  pedido: certeza  e liquidez.
Felizmente, o que o legislador tem de má fé, tem também de incompetência. Parece-me que a norma é uma prescrição sem sentido. Ora, fala ela em demandas que têm por objeto “obrigações”. Ter por objeto obrigações, significa que nestas demandas o pedido (objeto da demanda) tem natureza condenatória: exige o cumprimento de obrigação. E tendo o pedido esta natureza, apenas  poderíamos falar  em controvérsia ou vontade em controverter  o valor cobrado em sede de defesa. Em defesa não há pedido, por isto, este ônus imposto pelo art. 285-B não poderia ser aplicável ao consumidor que se defende em ação de cobrança.
Do mesmo modo, não poderíamos afirmar que  em demandas que visam à declaração da invalidade (total ou parcial) do contrato, ou mesmo da inexistência da obrigação, a norma seria aplicável. Ora, tais demandas não teriam por “objeto” obrigações, mas invalidades contratuais, de modo que  os  pedidos seriam ou constitutivos negativos ou declaratórios negativos. O mesmo se aplicando aos embargos do executado que, tendo natureza de demanda, não têm por objeto exigir obrigações, mas — especialmente nos casos narrados — desconstituir contrato inválido ou declarar a inexistência da relação de direito material.
Bem… começo com repulsa, mas termino com alivio. É muito feio ver  este tipo de prática, e o forte reflexo do  lobby em matéria  processual praticado em Brasília, para atender aos  interesses de poucos. Sorte nossa é poder contar sempre com a incompetência  daqueles que se submetem a estes influxos!
Marcelo Pacheco Machado
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Mestre e Doutorando em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor da FDV – Faculdade de Direito de Vitória, nos cursos de graduação e de pós graduação. Advogado.
Atualidades do Direito
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16/05/2013

O colapso do sistema prisional


A falta de vagas no sistema prisional para o cumprimento de pena em regime semiaberto está levando os juízes a autorizar condenados a cumprir a pena em casa. Na prática, a decisão põe em liberdade o condenado que poderia trabalhar de dia, passando a noite, no entanto, num estabelecimento penal. Como essa prática pode colocar em risco a segurança pública, já que a taxa de reincidência criminal no País é alta, o Ministério Público do Rio Grande do Sul decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). O caso levado à Suprema Corte do País é o de um ladrão cuja pena foi convertida em prisão domiciliar, por falta de vagas no semiaberto do sistema prisional gaúcho.
O réu foi condenado em primeira instância a 5 anos e 8 meses de prisão em regime semiaberto. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou a sentença, mas determinou que a pena fosse cumprida em regime domiciliar, caso não houvesse vaga em prisão destinada ao semiaberto. Alegando que o precedente poderia se aplicar a "situações como um estuprador que ataca uma família ou um traficante que passa a traficar em sua casa", o Ministério Público recorreu aos tribunais superiores. Alegou ainda que a decisão da Justiça gaúcha dissemina insegurança jurídica, uma vez que autores de crimes semelhantes poderão receber tratamentos diferentes "se morarem em cidades que tenham ou não vagas". Se o STF confirmar a decisão da Justiça, 23 mil presos poderão pleitear o cumprimento de pena em casa.
O déficit de vagas é um problema crônico do nosso sistema prisional. Entre 1994 e 2009, o número de prisões triplicou, passando de 511 para 1.806. Mas, pelos dados do Sistema de Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça, as penitenciárias de segurança máxima, os presídios do regime semiaberto e as demais unidades penais estaduais e federais do País têm 310 mil vagas e abrigam 548 mil presos - um déficit de 238 mil vagas.
O recurso impetrado pelo Ministério Público gaúcho é tão importante que o STF já reconheceu a repercussão geral do caso. Introduzido na legislação processual pela Emenda Constitucional n.º 45, a repercussão geral é um instrumento jurídico que permite ao STF selecionar - de acordo com critérios de relevância social, política ou econômica - os recursos extraordinários que irá julgar. Uma vez declarada a repercussão geral de uma determinada matéria, a Corte analisa o mérito da questão e a decisão consequente tem de ser aplicada por todas as instâncias inferiores do Judiciário, em casos idênticos.
O colapso do sistema prisional mostra o irrealismo de alguns aspectos do debate sobre os meios de conter a expansão da criminalidade no País. Algumas entidades defendem o aumento no rigor das penas, esquecendo-se de que não faz sentido ampliar o tempo da condenação quando não há prisões em número suficiente para abrigar tantos presos. Outras entidades e movimentos sociais defendem a tese da "humanização da pena" e políticas de "ressocialização dos apenados", esquecendo-se, igualmente, de que o sistema prisional carece, além de condições de vida digna, de escolas profissionalizantes e atendimento individual.
Diante da gravidade do problema, há um mês o governo federal anunciou que lançaria até o final de maio um plano para descongestionar o sistema prisional, estimulando a aplicação de penas alternativas nos crimes com menor grau de violência. O governo também quer firmar um pacto com os demais Poderes, para modernizar a gestão das penitenciárias, capacitar os agentes penitenciários, melhorar as condições de vida nesses locais e inaugurar 42 mil vagas em presídios até o segundo semestre de 2014 - período que coincide com a campanha eleitoral. Mas, até agora, não há informações sobre o montante de investimentos e a fonte dos recursos. A única informação do governo é de que usará projetos já em andamento na Câmara e no Senado para implementar o pacto. O que o governo vai fazer, em outras palavras, é anunciar como novidade promessas anteriores que até hoje não foram cumpridas.
 

14/05/2013

CNJ autoriza casamento gay em cartórios



O Conselho Nacional de Justiça aprovou, na manhã desta terça-feira (14/5), uma resolução que determina aos cartórios de todo o país que convertam a união estável homoafetiva em casamento civil. A proposta partiu do próprio presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, e foi aprovada por maioria de votos dos conselheiros.
A justificativa do presidente do CNJ foi tornar efetiva a decisão do STF que reconheceu, em 2011, a legalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Barbosa qualificou como contrassenso ter de esperar que o Congresso Federal estabeleça a norma e afirmou também que os cartórios estão descumprindo a decisão do STF. "O conselho está removendo obstáculos administrativos à efetivação de decisão tomada pelo Supremo, que é vinculante”, afirmou.
Apenas a ministra Maria Cristina Peduzzi, representante do Tribunal Superior do Trabalho no Conselho, se opôs à decisão e ficou vencida por 14 votos a um. De acordo com Peduzzi, não há previsão legal sobre o assunto e a decisão do Supremo Tribunal Federal apenas igualou os direitos no que toca à união estável.
O sub-procurador-geral da República Francisco de Assis Vieira Sanseverino, presente na sessão desta manhã, também alertou para o fato de o assunto estar em debate no Parlamento e disse ainda que a decisão da corte suprema tratou apenas da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Os próprios ministros do STF, em ocasiões diversas, externaram opiniões em sentido diverso sobre o assunto. Para o ministro Ayres Britto (aposentado), relator das duas ações que discutiram o tema, a decisão do Supremo poderia, sim, estender o direito à figura do casamento civil. Porém, tanto nos votos quanto no acórdão do julgamento, não há detalhamento da decisão nesse sentido.
debate tem chegado aos tribunais em razão de dúvidas acerca da decisão do Supremo sobre união homoafetiva ter ou não efeito vinculante — clique aqui para ler.
Casais que tiveram seu pedido de conversão da união estável em casamento negada pelos cartórios têm procurado à Justiça. Em setembro de 2012, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a possibilidade de a união estável entre dois homens ser convertida em casamento depois de decisões em sentido contrário em primeira instância.
De acordo com a resolução aprovada nesta terça pelo CNJ, “é vedada às autoridades competentes” a recusa em celebrar casamento civil ou em converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em caso de o cartório deixar de cumprir o que dispõe a resolução, caberão providências pelo devido juiz corregedor. A decisão do CNJ passa a valer a partir de sua publicação no Diário de Justiça Eletrônico.
Clique aqui para ler a minuta da Resolução do CNJ.
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico



13/05/2013

Responsabilidade Civil pelo atraso na entrega do imóvel


RECURSO ESPECIAL - CONTRATO BILATERAL, ONEROSO E COMUTATIVO - CLÁUSULA PENAL - EFEITOS PERANTE TODOS OS CONTRATANTES - REDIMENSIONAMENTO DO QUANTUM DEBEATOR -NECESSIDADE - RECURSO PROVIDO. 1. A cláusula penal inserta em contratos bilaterais, onerosos e comutativos deve voltar-se aos contratantes indistintamente, ainda que redigida apenas em favor de uma das partes. 2. A cláusula penal não pode ultrapassar o conteúdo econômico da obrigação principal, cabendo ao magistrado, quando ela se tornar exorbitante, adequar o quantum debeatur. 3. Recurso provido. 

Decisão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

REsp 1.119.740/RJ
Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma


DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO POR CULPA DA CONSTRUTORA (VENDEDOR). DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO. ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS EM RAZÃO DO USO DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. PAGAMENTO, A TÍTULO DE SUCUMBÊNCIA, DE LAUDO CONFECCIONADO EXTRAJUDICIALMENTE PELA PARTE VENCEDORA. DESCABIMENTO. EXEGESE DOS ARTS. 19 E 20 DO CPC. INVERSÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PREVIA MULTA EXCLUSIVAMENTE EM BENEFÍCIO DO FORNECEDOR, PARA A HIPÓTESE DE MORA OU INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. 1. Apesar de a rescisão contratual ter ocorrido por culpa da construtora (fornecedor), é devido o pagamento de aluguéis, pelo adquirente (consumidor), em razão do tempo em que este ocupou o imóvel. O pagamento da verba consubstancia simples retribuição pelo usufruto do imóvel durante determinado interregno temporal, rubrica que não se relaciona diretamente com danos decorrentes do rompimento da avença, mas com a utilização de bem alheio. Daí por que se mostra desimportante indagar quem deu causa à rescisão do contrato, se o suporte jurídico da condenação é a vedação do enriquecimento sem causa. Precedentes. 2. Seja por princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor - em situações de análogo descumprimento da avença. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, mantém-se a condenação do fornecedor - construtor de imóveis - em restituir integralmente as parcelas pagas pelo consumidor, acrescidas de multa de 2% (art. 52, § 1º, CDC), abatidos os aluguéis devidos, em vista de ter sido aquele, o fornecedor, quem deu causa à rescisão do contrato de compra e venda de imóvel. 3. Descabe, porém, estender em benefício do consumidor a cláusula que previa, em prol do fornecedor, a retenção de valores a título de comissão de corretagem e taxa de serviço, uma vez que os mencionados valores não possuem natureza de cláusula penal moratória, mas indenizatória. 4. O art. 20, caput e § 2º, do Código de Processo Civil enumera apenas as consequências da sucumbência, devendo o vencido pagar ao vencedor as "despesas" que este antecipou, não alcançando indistintamente todos os gastos realizados pelo vencedor, mas somente aqueles "endoprocessuais" ou em razão do processo, quais sejam, "custas dos atos do processo", "a indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico". Assim, descabe o ressarcimento, a título de sucumbência, de valores despendidos pelo vencedor com a confecção de laudo extrajudicial, mediante a contratação de perito de sua confiança. Precedentes. 5. Recurso especial parcialmente provido. 

Decisão Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.


REsp 955.134/SC
Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma