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02/04/2011

STJ. Indenização. Conexão. Acidente. Trânsito


STJ. Indenização. Conexão. Acidente. Trânsito


Discute-se, no REsp, a possibilidade de conexão de ações indenizatórias ajuizadas pelo condutor e passageiro de motocicleta vitimados em acidente de trânsito, sendo que um faleceu e o outro ficou lesionado.

Assim, é presumível que a vítima lesionada necessite de apuração da extensão dos seus danos, o que demanda prova específica.

Entretanto, para a Min. Relatora, existe um liame causal entre os processos, considerando que há identidade entre as causas de pedir; assim as ações devem ser declaradas conexas, evitando-se decisões conflitantes.

Destaca que, apesar de o art. 103 do CPC suscitar várias divergências acerca de sua interpretação, a jurisprudência deste Superior Tribunal afirma que, para caracterizar a conexão na forma definida na lei, não é necessário que se cuide de causas idênticas quanto aos fundamentos e objetos, mas basta que elas sejam análogas, semelhantes, porquanto a junção das demandas seria para evitar a superveniência de julgamentos díspares com prejuízos ao próprio Judiciário como instituição.

Também observa que a Segunda Seção posicionou-se no sentido de que se cuida de discricionariedade relativa, condicionada à fundamentação que a justifique.

Ressalta ainda que, em precedente de sua relatoria na Segunda Seção, afirmou que o citado artigo limita-se a instituir os requisitos mínimos de conexão, cabendo ao juiz, em cada caso, aquilatar se a adoção da medida mostra-se criteriosa, consentânea com a efetividade da Justiça e a pacificação social.

Precedentes citados: CC 113.130-SP, DJe 3/12/2010, e REsp 605.120-SP, DJ 15/6/2006.

REsp 1.226.016-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/3/2011.

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Código de Processo Civil Comentado
Carlos Henrique Abrão e Cristiano Imhof

TJAL. Art. 461, §4º do CPC. Interpretação - Astreintes


TJAL. Art. 461, §4º do CPC. Interpretação

Costa Machado [Código de processo civil interpretado artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 8.ed, Barueri: Manole, 2009, p. 506] lembra no comentário ao §4º do artigo 461 do CPC: a inovação parece bastante interessante porque torna imediata a pressão psicológica e sua eficácia persuasiva sobre o réu, o que pode determinar, e certamente determinará, a pronta satisfação, no mais das vezes, do direito afirmado pelo autor. Note-se que, no regime anterior do isolado art. 287 (antes de 1994, portanto), a multa só incidia a partir do trânsito em julgado, o que era inegável obstáculo à consecução do sonhado ideal de efetividade do processo. Ainda nesse sentido, é entendimento doutrinário: é possível a aplicação da multa coercitiva para constranger ao cumprimento de decisões interlocutórias, sentenças ou acórdãos, sempre que neles se impor a observância de um fazer ou não fazer. É possível aplicar multa coercitiva para outorgar efetividade à tutela antecipatoria, à tutela cautelar ou a tutelas finais [MARINONE, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. 2.ed.rev.atual. e ampl. São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 2010, p.428].

Íntegra do acórdão:
Agravo de Instrumento n. 2010.005040-8, de Maceió.
Relator: Des. Alcides Gusmão da Silva.
Data da decisão: 21.02.2011.


Agravo de Instrumento n° 2010.005040-8
Origem: Comarca de Maceió / 9ª Vara Cível da Capital
Classe e nº de origem: Cominatória nº 001.10.003437-4
Relator: Des. Alcides Gusmão da Silva
Agravante: Assistência Médica Ltda. - HAPVIDA
Advogados: Felipe Medeiros Nobre e outros
Agravado: Clóvis Lorena Cavalcanti Pedroso
Advogados: Rodrigo Araújo Campos e outros

ACÓRDÃO N º 1.0128/2011

EMENTA: PROCESSO CIVIL. DESCUMPRIMENTO DE LIMINAR. EXECUÇÃO PROVISÓRIA MOVIDA PELA PARTE AUTORA COM A FINALIDADE DE COBRAR VALORES DEVIDOS A TÍTULO DE ASTREINTES. MULTA DEVIDA. VALOR MANTIDO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. No caso sob análise não restam dúvidas acerca da possibilidade de incidência da multa estipulada, nem ao menos quanto à obrigatoriedade de seu pagamento, vez que sua fundamentação encontra amparo seja na lei (CPC) ou na jurisprudência, configurando caráter pedagógico e coercitivo da medida, com a finalidade do mais rápido cumprimento da obrigação de fazer, de modo a resguardar os direitos da parte lesada, podendo sua aplicação dar-se em sentença ou momento anterior, em antecipação de tutela; 2. Somente se chegou ao elevado montante devido à resistência injustificada da parte - argumentando que fora estipulado, inicialmente, o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de descumprimento - e como tal não se concebe a redução pleiteada, em respeito ao princípio da segurança jurídica, que , no caso em comento, é invocado para garantir a soberania das decisões judiciais; 3. Com a reforma processual, fora autorizada a execução provisória das astreintes, com a finalidade de evitar desobediência quanto à obrigação judicial, de modo que a multa deve incidir a partir da citação do obrigado; 4. Recurso conhecido e improvido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram como partes as acima citadas, acordam os Desembargadores da PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça de Alagoas, por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.

Participou do julgamento o Excelentíssimo Senhor Juiz Conv. Ivan Vasconcelos Brito Júnior.

Maceió, 21 de fevereiro de 2011.

Des.Washington Luiz Damasceno Freitas
Presidente

Des. Alcides Gusmão da Silva
Relator

Agravo de Instrumento n° 2010.005040-8
Origem: Comarca de Maceió / 9ª Vara Cível da Capital
Classe e nº de origem: Cominatória nº 001.10.003437-4
Relator: Des. Alcides Gusmão da Silva
Agravante: Assistência Médica Ltda. - HAPVIDA
Advogados: Felipe Medeiros Nobre e outros
Agravado: Clóvis Lorena Cavalcanti Pedroso
Advogados: Rodrigo Araújo Campos e outros

RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo, interposto pela HAPVIDA - Assistência Médica Ltda. em face de Clóvis Lorena Cavalcanti Pedroso, inconformada com a decisão proferida pelo juiz da 9ª Vara Cível da Capital, nos autos da Ação Cominatória, tombada sob o nº 001.10.003437-4.

No decisum vergastado, o juiz a quo determinou que a Agravante efetuasse o pagamento no valor de R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais) referente à multa por descumprimento da decisão que deferiu a liminar requerida, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 475-J do CPC.

Em suas razões, assevera o Recorrente, que efetuou contato telefônico com o médico assistente do Agravado, Dr Roberto Granja, verificando os valores para a realização do tratamento daquele. Ocorre que, apenas em 15 de abril de 2010, o profissional enviou o relatório à Agravante constando os valores para realização de 6 (seis) a 8 (oito) sessões, de forma a serem concretizadas em intervalos semanais a critério deste, tendo um custo total de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais) cada.

Aduz, ainda, ter sido informada, posteriormente, da execução das sessões inicialmente prescritas, de modo que efetuou o depósito judicial no valor total de R$ 10.400,00 (dez mil e quatrocentos reais) em favor do médico contratado. Contudo, o Agravado pleiteou perante o juízo de 1º grau a execução do montante de R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais). Por fim, requer seja dado provimento ao presente Agravo, a fim de que seja cassado o decisum que determinou a multa, ou uma vez admitida a execução, que seja o valor arbitrado em, no máximo, R$ 10.400,00 (dez mil e quatrocentos reais).

Em suas contrarrazões, o Agravado aduz serem descabíveis as alegações do Agravante posto que ficou evidenciado o descumprimento da decisão que concedeu a liminar requerida, de forma a se prolongar durante 84 (oitenta e quatro) dias sob o argumento de que o médico assistente do Recorrido não fazia parte de seu quadro de credenciados. Suscita, ainda, não haver como rediscutir a matéria em relação à fixação da multa, pois esta já foi decidida, tendo, inclusive, sido encerrado o procedimento quanto a esta, devido à não interposição de recursos em face da decisão deste Colendo Tribunal. Ao final, sustenta a manutenção do decisum vergastado.

Requisitadas informações do juízo de 1º grau, este informou que o Agravante descumpriu liminar, já confirmada por este Tribunal, motivo pelo qual procedeu-se a execução provisória da multa diária, pois esta foi imposta com a finalidade de vencer a obstinação da parte na obrigação de fazer, de forma que não carece de trânsito em julgado da sentença final condenatória.

A antiga relatoria se pronunciou no sentido de julgar o efeito suspensivo requerido após manifestação da parte recorrida, fl. 214.

Os autos foram recebidos por este Gabinete em 8 de fevereiro de 2011.
É o relatório.
VOTO

Inicialmente, cumpre enfatizar que o recurso sob análise se restringe, única e exclusivamente, à apreciação do corpo do decisum agravado.

Quanto ao efeito suspensivo pleiteado, deixo de me manifestar, tendo em vista que os autos encontram-se aptos ao julgamento.

Da análise, dos autos, percebe-se que não restam dúvidas acerca da possibilidade de incidência da multa estipulada, nem ao menos quanto a obrigatoriedade de seu pagamento, uma vez que sua fundamentação encontra amparo seja na lei (CPC) ou na jurisprudência, configurando caráter pedagógico e coercitivo da medida, com a finalidade do mais rápido cumprimento da obrigação de fazer, de modo a resguardar os direitos da parte lesada.
Eis que restaria indevida a aplicação das astreintes, acaso a parte cumprisse o determinado pelo juiz no prazo determinado; motivo pelo qual, apesar de o Recorrente ter cumprido com a obrigação imposta, este o fez, oitenta e quatro dias após intimado.

Nesse sentido dispõe o Código de Processo Civil. Veja:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
[...]
3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. L8952.htm
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. L8952.htm
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.


Costa Machado[1] lembra no comentário ao §4º do artigo 461 do CPC:

a inovação parece bastante interessante porque torna imediata a pressão psicológica e sua eficácia persuasiva sobre o réu, o que pode determinar, e certamente determinará, a pronta satisfação, no mais das vezes, do direito afirmado pelo autor. Note-se que, no regime anterior do isolado art. 287 (antes de 1994, portanto), a multa só incidia a partir do trânsito em julgado, o que era inegável obstáculo à consecução do sonhado ideal de efetividade do processo.

Ainda nesse sentido, é entendimento doutrinário:

é possível a aplicação da multa coercitiva para constranger ao cumprimento de decisões interlocutórias, sentenças ou acórdãos, sempre que neles se impor a observância de um fazer ou não fazer. É possível aplicar multa coercitiva para outorgar efetividade à tutela antecipatoria, à tutela cautelar ou a tutelas finais.[2]

Quanto ao momento da execução das astreintes, considere-se que com a reforma processual, fora autorizada a execução provisória das astreintes, com a finalidade de evitar a desobediência quanto à obrigação judicial, de modo que a multa deve incidir a partir da citação do obrigado.

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se pela execução da interlocutória, que aplica as astreintes:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PLACAS INSTALADAS EM OBRAS PÚBLICAS CONTENDO SÍMBOLO DE CAMPANHA POLÍTICA. REMOÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. ART. 461, § 4, DO CPC. MULTA COMINADA EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. EXECUÇÃO. CUSTAS JUDICIAIS. ISENÇÃO. DIVERGÊNCIA INDEMONSTRADA. 1. A tutela antecipada efetiva-se via execução provisória, que hodiernamente se processa como definitiva (art. 475-O, do CPC).
2. A execução de multa diária (astreintes) por descumprimento de obrigação de fazer, fixada em liminar concedida em Ação Popular, pode ser realizada nos próprios autos, por isso que não carece do trânsito em julgado da sentença final condenatória. 3. É que a decisão interlocutória, que fixa multa diária por descumprimento de obrigação de fazer, é título executivo hábil para a execução definitiva. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1116800/RS, TERCEIRA TURMA, DJe 25/09/2009; AgRg no REsp 724.160/RJ, TERCEIRA TURMA, DJ 01/02/2008 e REsp 885.737/SE, PRIMEIRA TURMA, DJ 12/04/2007. 4. É cediço que a função multa diária (astreintes) é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou entregar coisa, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1025234/SP, DJ de 11/09/2008; AgRg no Ag 1040411/RS, DJ de 19/12/2008; REsp 1067211/RS, DJ de 23/10/2008; REsp 973.647/RS, DJ de 29.10.2007; REsp 689.038/RJ, DJ de 03.08.2007: REsp 719.344/PE, DJ de 05.12.2006; e REsp 869.106/RS, DJ de 30.11.2006.
5. A 1ª Turma, em decisão unânime, assentou que: a "(...) função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância" (REsp nº 699.495/RS, Rel. Min.LUIZ FUX, DJ de 05.09.05), é possível sua execução de imediato, sem que tal se configure infringência ao artigo 475-N, do então vigente Código de Processo Civil" (REsp 885737/SE, PRIMEIRA TURMA, DJ 12/04/2007). [...] 9. Recurso Especial provido (REsp 1098028/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/02/2010, DJe 02/03/2010)(Sem grifo no original).

Destarte, resta claro que a sua exigência pode ser requerida em qualquer fase processual posterior ao seu descumprimento, de forma a alcançar o período em que o obrigado permaneceu inerte.

Quanto à necessidade de modificação do valor estipulado no primeiro grau, acentue-se que este somente chegou ao elevado montante devido à resistência injustificada da parte - argumentando que fora estipulado, inicialmente, o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de descumprimento - e como tal não se concebe a redução pleiteada, em respeito ao princípio da segurança jurídica, que, no caso em comento, é invocado para garantir a soberania das decisões judiciais. Outrossim, ressalte-se que inobstante a negatória do pedido de efeito suspensivo (fls. 152/154) lançada em agravo interposto pelo ora recorrente em face da decisão que determinou o procedimento médico sob pena de multa, esta publicada em 13/4/10, o Agravante resistira a determinação judicial, ainda assim, conforme se depreende do despacho de fl. 163. Dessa maneira, considera-se, pois, em que pese a Recorrente asseverar a inviabilidade do cumprimento da decisão, deixou de comprová-la nos autos.

Por fim, registre-se que, da análise da situação apresentada, no caso dos autos, restou clara a ocorrência de prejuízos para o Agravado decorrente da obstinação do Agravante, já que, segundo o médico (fls. 207/208), com suas próprias palavras, diz:

"o atraso na autorização do tratamento médico do paciente, assim como a negativa por parte do plano de saúde ora réu em arcar com o tratamento, acarretou sérios prejuízos no tratamento médico do autor, tendo inclusive que serem aumentadas as sessões de terapia fotodinâmica com uso de levolan (hon+med), uma vez que não se deu a devida continuidade ao tratamento médico do autor por falta de pagamento[...]"

Essa declaração justifica o montante, pois o Agravado é portador de câncer de pele em estágio avançado, de forma que a demora na disponibilização do procedimento pleiteado ocasionou grave risco a sua saúde.

Desse modo, resta evidente a manutenção da decisão vergastada, pois inexistentes os motivos justificadores para sua alteração.

DISPOSITIVO

Por todo o exposto, voto no sentido de CONHECER do Recurso, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, de forma a manter em sua totalidade a decisão objeto do presente agravo.

Maceió, 21 de fevereiro de 2011.

Des. Alcides Gusmão da Silva
Relator
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[1] MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código de processo civil interpretado artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 8.ed, Barueri: Manole, 2009, p. 506.

[2] MARINONE, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. 2.ed.rev.atual. e ampl. São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 2010, p.428.

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Código de Processo Civil Comentado
Carlos Henrique Abrão e Cristiano Imhof

A "Oração aos Moços", de Rui Barbosa: 90 anos

Celso Lafer
Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi Ministro das Relações Exteriores no governo FHC
Em março de 1921, a Oração aos Moços, de Rui Barbosa, foi ouvida na sessão solene da formatura da turma de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo. Rui foi o paraninfo dessa turma e para ela, que se empenhou em homenageá-lo no jubileu de ouro da sua formatura, escreveu a Oração aos Moços, que foi lida pelo professor Reinaldo Porchat, pois Rui, adoentado, não pôde comparecer à cerimônia, que, nas suas palavras, assinalava os seus "50 anos de consagração ao Direito" no "templo do seu ensino na São Paulo", onde estudou e se formou em 1870 e teve como colegas Castro Alves, Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves e Afonso Pena.

A Oração aos Moços tem sido qualificada como o testamento político de Rui. Pode ser considerada uma explicitação do seu legado. Foi, como disse, uma oportunidade para, no termo da sua existência intelectual, tratar do significado da sua lida com o Direito.

Rui é um paradigma em nosso país dos advogados que se valeram do Direito como instrumento de ação política, como observou Afonso Arinos. Por isso viveu os grandes temas do Direito, que dominava em profundidade, em função do agir, como realçou Miguel Reale.

Em discurso no Instituto dos Advogados (18/5/1911) Rui, nessa linha, afirmou que o trato usual do Direito ensina e predispõe a desprezar a força, apontando que "os governos arbitrários não se acomodam com a autonomia da toga nem com a independência dos juristas". Daí o positivo papel dos advogados na vida de uma democracia. Na Oração aos Moços explicita que se dedicou, desde os bancos acadêmicos, à tarefa de "inculcar no povo os costumes de liberdade e à República as leis do bom governo, que prosperam os Estados, moralizam as sociedades e honram as nações". Destaca o papel da Justiça e observa que ela tem dois braços: "a magistratura e a justiça". Critica os "togados que contraíram a doença de achar sempre razão ao Estado, ao governo". Na missão de advogado engloba uma espécie de magistratura: a da justiça militante. Nisso inclui: "Não colaborar com perseguições ou atentados nem pleitear pela iniquidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares nem das perigosas, quando justas".

A Oração aos Moços tem a característica de um local de memória da tradição cívica jurídico-política da Faculdade de Direito, que Rui encarnou e da qual é um grande ícone. Noventa anos depois de ter sido proferida, cabe a pergunta sobre sua atualidade.

Bolívar Lamounier apontou que o legado de Rui enfrentou, no correr dos anos, uma dupla desqualificação. Uma, proveniente do pensamento autoritário da direita, outra, do pensamento autoritário da esquerda. Assim, por exemplo, seja na perspectiva da ditadura republicana dos positivistas, seja na da ditadura do proletariado dos comunistas, a militância de Rui em prol da democracia e do governo das leis foi impugnada. Viu-se desacreditada por não levar em conta as diferenças que separam o Brasil real do Brasil legal, o ser do dever ser, a infraestrutura da superestrutura.

A depreciação deslegitimadora do que foi tido como o formalismo liberal e juridicista de Rui oculta, como realçado por Bolívar Lamounier, o significado e a atualidade da sua ação em prol da formação da esfera pública e da construção institucional da democracia no Brasil.

Nessa construção, uma vertente é o tema da ampliação da cidadania nos seus componentes civil, político e social. Rui cuidou desse tema desde o tempo de estudante, integrando com o ardor da justiça militante a campanha abolicionista e a luta contra a escravidão.

Da sua agenda, nesta vertente, cabe lembrar, com a instauração da República, a separação da Igreja e do Estado e, com isso, a laicidade da esfera pública e a liberdade de culto; a afirmação do voto como a primeira arma do cidadão e a liberdade como a sua condição substancial; a defesa da "extensão cada vez maior dos direitos sociais", que põe limites nas "noções jurídicas do individualismo".

A outra vertente foi a da construção de instituições democráticas, a que Rui se dedicou no seu empenho político de ser "o mais irreconciliável inimigo do governo do mundo pela violência" e "o mais fervoroso predicante do governo dos homens pelas leis", como disse no Instituto dos Advogados em 1911. Suas duas campanhas para a Presidência da República, seu papel no Senado e na imprensa têm esse significado exemplar, assim como sua ação diplomática na Segunda Conferência da Paz de Haia, em 1907.

Na sua lida de "sujeitar à legalidade os governos, implantar a responsabilidade no serviço da nação", opor-se "à razão de Estado" como "negação virtual de todas as Constituições", insere-se o papel que teve na criação do Supremo Tribunal Federal (STF) na nossa primeira Constituição republicana e na subsequente sustentação do "direito-dever" do STF "de guardar a Constituição contra os atos usurpatórios do governo e do Congresso", como afirmou no Instituto dos Advogados em 1914.

Em síntese, com o reconhecimento do valor da democracia, que a Constituição de 1988 positivou, vem perdendo terreno, em nosso país, sua desqualificação no espectro político, tanto à esquerda quanto à direita. Daí a atualidade do legado de Rui e a continuidade da importância da Oração aos Moços, passados 90 anos da sua inserção no mundo público. Com efeito, é visível para todos sem maiores necessidades de exemplificação que, no Brasil, a plena realização do valor da democracia é estrada com muitas etapas de construção institucional e cidadã a serem percorridas. Por isso, como disse Oswald de Andrade em 1949, Rui, "como a semente do Evangelho que precisa morrer para frutificar, (...) soube sempre morrer pelo dia seguinte do Brasil".

Fonte: O Estado de São Paulo, 20 de março de 2011
(Portal Academus)

01/04/2011

Em versos a decisão do STF sobre a Ficha Limpa


Em meio à incompreensão de grande parcela da sociedade em relação à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a impossibilidade de aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições do ano passado, há espaço para enfrentar o tema com bom humor. Foi o que fez o advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Eduardo Caputo Bastos.

O ex-ministro enviou à revista Consultor Jurídico um texto em forma de versos no qual lembra que quando o assunto é segurança jurídica, a Justiça não pode tergiversar. Caputo Bastos ressalta que a aplicação da lei é apenas uma questão temporal e que é importante que todos respeitem a decisão do Supremo de forma incondicional.

Leia os versos

Cada um tem uma maneira de pensar   
Por isso, meu caro amigo, eu digo   
Para a segurança jurídica preservar   
A norma da Constituição há de imperar

Mesmo sem aos meus filhos consultar   
Mas com a outorga uxória a sustentar   
Se achar oportuno e gostar   
Pode, sem dúvida, publicar

Na questão da ficha limpa   
É importante e necessário ressaltar  
Trata-se de norma desejada e aplaudida   
Porém, de compreensão e aceitação pendular

É difícil pra sociedade separar o direito da moral   
Mesmo para os bacharéis, convenhamos, isso não se faz de maneira linear   
A política e a moral, perdoe-me, devem ceder ao preceito constitucional   
Pois, em face da segurança jurídica, é convir, não se pode tergiversar

Não deve de forma alguma haver frustração   
Pode até não ser o caso de celebração   
Mas não é pesadelo, nem motivo de tristeza fatal   
Pois a aplicação da lei é apenas uma questão temporal

Juiz conservador, técnico, protagonista ou liberal   
Expressar convicção no argumento é condição vital   
Para ele o que importa definitivamente é o compromisso constitucional   
Devemos todos, portanto, respeitar a decisão de maneira incondicional

Revista Consultor Jurídico, 30 de março de 2011

31/03/2011

HOMOFOBIA - SENTENÇA (nov/2008)

 
Maria Emília Neiva de Oliveira

ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE CAMPINA GRANDE
JUÍZO DE DIREITO DA PRIMEIRA VARA CÍVEL
PROCESSO Nº 001.2007.010105-8


AÇÃO ORDINÁRIA INOMINADA

Promovente: Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS
Promovida: VINACC – Visão Nacional para a Nova Consciência Cristã
Juíza Prolatora: Maria Emília Neiva de Oliveira

 

 

S E N T E N Ç A



AÇÃO ORDINÁRIA INOMINADA. CAMPANHA CONTRA O HOMOSSEXUALISMO. INADMISSIBILIDADE. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO. VALORES DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA ISONOMIA. SEGURANÇA DA INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE E DA VIDA PRIVADA. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. LIMINAR CONCEDIDA. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.

- A liberdade individual irrestrita só pode ser limitada por lei que é a expressão da vontade popular, em função do interesse comum.

- Sendo a sexualidade um direito do mesmo modo que a liberdade e a igualdade, é imperioso reconhecer-se que a liberdade sexual apresenta-se como um direito do indivíduo que se alia ao tratamento igualitário, independente da tendência sexual.

- É inaceitável a exclusão social dos homossexuais por preconceito e discriminação, máxime por tratar-se de um direito natural que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, vez que decorre de sua própria natureza.

Vistos, etc.

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS, devidamente qualificada e por meio de advogado, propôs Ação Ordinária Inominada (fls. 02-10) em desfavor da VINACC – Visão Nacional para a Nova Consciência Cristã, ressaltando o ajuizamento de Ação Cautelar com pedido de liminar para a retirada da campanha no site “http://www.vinacc.org.br, a proibição da afixação dos referidos “outdoors” e a não permissão para a realização de manifestação homofóbica programada para ser realizada em praça pública no dia 22 de junho de 2007, requerendo, ao final, a juntada da presente ao processo n. 001.2007.010105-8, nos termos do art. 806 do Código de Processo Civil e condenação da promovida em cestas básicas para pessoas carentes, pacientes de HIV/AIDS e a procedência da ação nos termos da liminar.

Junto com a inicial vieram os documentos de fls. 12-25.

Despacho, à fl. 27, para que a promovente emendasse a inicial de acordo com o art. 282 do Código de Processo Civil, no tocante à denominação, caracterizadora do interesse de agir, uma das condições da ação.

Peça da promovente, à fl. 30, em atendimento ao despacho de fl. 27, apresentando o nome da Ação Principal, como também, requerendo a citação da promovida para apresentar contestação.

Citação da promovida, à fl. 32, para, no prazo legal, apresentar contestação.

Despacho, à fl. 33, para o desapensamento dos presentes autos e subida da Ação Cautelar para a superior instância.

Certidão, à fl. 34, no que atine ao desapensamento dos autos do processo de n. 001.2007.010105-8 para fins de remessa ao Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba.

Certidão, à fl. 35, no que diz respeito ao decurso do prazo para a manifestação da promovida ao cumprimento do despacho de fl. 32.

Despacho, à fl. 36, para a manifestação da promovente sobre a certidão de fl. 35.

Petição da promovente, à fl. 38, requerendo o prosseguimento do feito com a efetiva sentença de acordo com a legislação pertinente.

E’ o Relato. Decido.

Este Juízo entende que o feito comporta julgamento antecipado, tendo em vista a ocorrência da revelia e a desnecessidade de nova produção probatória, no termos do art. 330 do Código de Processo Civil.

Assim, a matéria, ínsita nos autos, comporta julgamento antecipado, seja pelo fato de encontrar-se documentalmente comprovada, seja pela ausência de pretensão de ambas as partes na produção probatória ou, ainda, pela ocorrência da revelia, todos preconizados no art. 330 do Código de Processo Civil, in verbis:

CPC “Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II - quando ocorrer a revelia (art. 319)”. (grifo meu)

Ademais, a promovente requereu prosseguimento do feito com a efetiva sentença, à fl. 38.

Ressalte-se que, sendo o caso de julgamento antecipado, não há necessidade de audiência de conciliação, segundo entendimento jurisprudencial:

Entendendo o juiz que o processo já estava suficientemente instruído para o seu julgamento, fazendo incidir o art. 330, II, do CPC, dispensável se torna a efetivação da audiência de conciliação e a apresentação das alegações finais, devendo passar diretamente ao julgamento de mérito”. (TJDF – APC 20030110555056 – 5ª T. Cív. – Rel. Des. Asdrubal Nascimento Lima – DJU 25.08.2005)

Destaque-se que a VINACC – Visão Nacional para a Nova Consciência Cristã, ora promovida, foi validamente citada, no entanto, permaneceu inerte.

Sabe-se que, caso a parte promovida não se manifeste dentro do prazo legal será considerada revel, reputando-se, em regra, como verdadeiros os fatos contra ela alegados.

Como a VINACC – Visão Nacional para a Nova Consciência Cristã não impugnou de forma específica os fatos alegados, os mesmos serão presumidos verdadeiros e a decretação da revelia, por sua vez, é medida que se impõe.

Assim, decreto a revelia, em face da ausência de contestação, com fulcro no art. 319, do CPC.

Entretanto, pelo fato de a revelia não produzir efeitos absolutos, passo a analisar o direito exposto a julgamento.

No tocante ao pedido, no item “b” da fl. 08, de condenação da promovida em cestas básicas para pessoas carentes, o mesmo resta prejudicado haja vista a sua impossibilidade, uma vez que as custas e despesas processuais não podem ser convertidas em cestas básicas.

Dessa forma, na ausência de um pedido específico atinente a uma eventual condenação, este Juízo não vislumbra qualquer possibilidade nesse sentido.

No entanto, a prestação jurisdicional solicitada às fls. 02-10 deve ser julgada procedente, para confirmar a medida liminar deferida no processo n. 001.2007.010.105-8.

Fora pedido, no item “e” da fl. 09, a procedência da ação nos termos da liminar, cujo pleito merece guarida.

Não restam dúvidas sobre a forma com que foi concedida a liminar, com o entendimento deste Juízo no que se refere à presença dos requisitos do “fumus boni juris” e do “periculum in mora”, haja vista a documentação anexada pela Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS, ao processo  nº 001.2007.010.105-8, demonstrando o perigo na demora do atendimento ao pleito, que sem o seu deferimento, restaria configurada a violação às garantias constitucionais, principalmente à dignidade da pessoa humana e ao direito de igualdade com a possibilidade de danos irreparáveis à honra e à imagem do público homossexual.

De acordo com as lições do doutor em Direito do Estado Alexandre de Moraes[1], no que atine ao princípio da dignidade da pessoa humana, tem-se que:

“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.

No que atine ao princípio da isonomia atrelado ao princípio da dignidade da pessoa humana, importante trazer à baila valioso acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com publicação no DJ em 11/01/2008, sob a relatoria do Desembargador Rui Portanova, no julgamento da Apelação Cível referente ao reconhecimento da União Estável entre duas pessoas do mesmo sexo, quando diz, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. SEPARAÇÃO DE FATO DO CONVIVENTE CASADO. PARTILHA DE BENS. ALIMENTOS. União homossexual: lacuna do Direito. O ordenamento jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação afetiva estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-se diante de lacuna do direito. Na colmatação da lacuna , cumpre recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, em cumprimento ao art. 126 do CPC e art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. O par homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos companheiros heterossexuais como no par homossexual se encontra, como dado fundamental da união, uma relação que se funda no amor, sendo ambas relações de índole emotiva, sentimental e afetiva. Na aplicação dos princípios gerais do direito a uniões homossexuais se vê protegida, pelo primado da dignidade da pessoa humana e do direito de cada um exercer com plenitude aquilo que é próprio de sua condição. Somente dessa forma se cumprirá à risca, o comando constitucional da não discriminação por sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto de uma sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a intolerância e o preconceito. Pouco importa se a relação é hétero ou homossexual. Importa que a troca ou o compartilhamento de afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas são valores sociais positivos e merecem proteção jurídica. Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo, geram as mesmas conseqüências previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70021637145, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/12/2007).

Ressalte-se que o Preâmbulo da Constituição Federal, apesar de não possuir força normativa, traça as diretrizes políticas, éticas, morais e ideológicas da Lei Maior servindo de elemento de integração e interpretação para os diversos artigos ínsitos em seu bojo, abrangendo um conjunto de princípios, dentre os quais a não permissibilidade de qualquer espécie de preconceito ao rezar:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. (grifo meu)

Frise-se que no Brasil, além da CF/1988 tornar ilegal qualquer forma de discriminação de maneira genérica, várias leis estão em debate a fim de proibirem de maneira expressa a discriminação ao público homossexual.
A manifestação de homofobia pode ser dada desde a difamação até os meios mais sutis e disfarçados, a exemplo da falta de cordialidade e do sentimento de aversão ao próximo.

Na contramão dessa prática, o Livro dos Livros, a Bíblia Sagrada, no Evangelho do Apóstolo Marcos (12: 30-31) descreve que Jesus Cristo, ao responder a indagação de um escriba (doutor da lei entre os judeus) sobre qual seria o principal dos mandamentos, disse que:

“Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes”.

Segundo o professor Luiz Roberto de Barros Mott, agraciado com a Ordem do Mérito Cultural 2007, cuja insígnia é dada àqueles que contribuem em larga escala para aumentar a riqueza da cultura brasileira, a homofobia é uma "epidemia nacional", asseverando, ainda, que o Brasil esconde uma triste e lamentável realidade: "é o campeão mundial em assassinatos de homossexuais, sendo que a cada três dias um homossexual é barbaramente assassinado, vítima da homofobia".
Sabe-se que há vários grupos religiosos, políticos ou culturais que se opõem à homossexualidade e em muitos casos esta oposição tem até reflexos legais, inclusive países que aplicam a pena de morte a homens que tenham orientação homossexual, como o Irã e a Arábia Saudita. Entretanto, há alguns grupos dentro de algumas ideologias e religiões que apóiam de modo ativo os direitos das pessoas GLBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).
Na contramão do preconceito há alguns países que já adotam o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a exemplo da África do Sul, Espanha, Canadá e Holanda. Há, ainda, aqueles que reconhecem a união estável entre duas pessoas do mesmo gênero, como New Hampshire, New Jersey, Connecticut, Maine e Washington (EUA), Hungria, Uruguai, República Tcheca, México, Irlanda, Eslovênia, Reino Unido, Suíça, Luxemburgo, Buenos Aires (Argentina), Áustria entre tantos outros. Ademais, a conquista do direito para a adoção de uma criança já é uma realidade para casais homossexuais em alguns locais, a exemplo da Espanha, Bélgica, Canadá, Holanda, Israel, França e Brasil que, em novembro de 2006, numa das decisões que caminham no sentido do atendimento aos pleitos do público homossexual, uma criança de cinco anos fora adotada por um casal de homossexuais do sexo masculino, Vasco Pedro da Gama e Júnior de Carvalho.
O Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Luiz Felipe Brasil Santos, relator do recurso no qual se discutia a adoção de duas crianças a um casal de mulheres homossexuais, chegou a afirmar que:

“É hora de abandonar de vez os preconceitos e atitudes hipócritas, adotando uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que, legalmente, é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes”.

A Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Vice-Presidente Nacional do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias[2], traz à lume lições que valem ser reprisadas em face da sua relevância para o combate ao preconceito em epígrafe, quando diz:

“A orientação que alguém imprime na esfera de sua vida privada não admite restrições a quaisquer direitos. Há de se reconhecer a dignidade existente na união homoafetiva. O conteúdo abarcado pelo valor da pessoa humana informa poder cada pessoa exercer livremente sua personalidade, segundo seus desejos de foro íntimo. A sexualidade está dentro do campo da subjetividade, representando fundamental perspectiva do livre desenvolvimento da personalidade, e partilhar a cotidianidade da vida em parcerias estáveis e duradouras parece ser um aspecto primordial da existência humana.

Na mesma trilha, o editor da renomada Revista Jurídica Consulex, Leon Frejda Szklarowsky, em artigo publicado no sítio Jus Navegandi (http://jus2.uol.com.br/), com o título “União entre pessoas do mesmo sexo”, ressalta que:

“O grave erro reside na interpretação literal das normas, quando se pretende impor a vontade sobre os outros, sem o mínimo respeito às individualidades e à liberdade... As pessoas, que optaram, por assim viver, devem ter respeitada a sua determinação, pois a vida é o bem mais precioso do ser humano, mas a vida sem liberdade não tem qualquer significado, nem dignidade”.

A Desembargadora Maria Berenice Dias[3] nas suas sábias lições, ínsitas na mesma obra, continua, ao dizer que:

“Indispensável é reconhecer que os vínculos homoafetivos são muito mais do que meras relações homossexuais. Em verdade, configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito, sob pena de o Direito falhar como Ciência e, o que é pior, como Justiça. Que entre o preconceito e a justiça, fique o Estado com a justiça e, para tanto, albergue no direito legislado novos conceitos, derrotando velhos preconceitos. A doutrina já está fazendo o seu papel, ao reconhecer a união estável homoafetiva como uma espécie do gênero união estável, ao lado da união estável heterossexual. Está na hora de o Estado – que se quer democrático e que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana – deixar de sonegar juridicidade aos cidadãos que têm direito individual à liberdade, direito social à proteção positiva do Estado e, sobretudo, direito humano à felicidade”.

Ante o exposto e tendo em vista tudo o mais que dos autos consta e princípios de direito atinentes à espécie, Julgo Procedente o pedido, nos termos da medida liminar concedida às fls. 18-20 do processo n. 001.2007.010105-8, tornando-a definitiva, para impedir qualquer tipo de discriminação e preconceito que se configure como ato atentatório aos princípios norteadores da nossa Carta Magna.

Condeno a parte promovida em custa processuais e honorários advocatícios que arbitro em R$ 800,00 (oitocentos reais).

P. R. I.


Campina Grande, 24 de novembro de 2008.



Maria Emília Neiva de Oliveira
Juíza de Direito







[1]   MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 7ª ed. São Paulo : Atlas, 2006. p. 48.
[2]   DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: O Preconceito & a Justiça. 3ª ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006. p. 77.
[3]   DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: O Preconceito & a Justiça. 3ª ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006. p. 83.