A falta de educação, de cortesia, e de respeito ao direito
alheio no Brasil é mais um exemplo de como a sociedade é dividida e as pessoas
são egoístas e desrespeitosas umas com as outras. Todos têm direito ao sossego,
ao descanso, ao silêncio, direito este cada dia mais abertamente violado. A
questão é tão absurda que há catalogados vários casos de violência e morte por
causa da transgressão a esse sagrado direito.
Lembro que o direto ao sossego é correlato ao direito de
vizinhança e está ligado também à garantia de um meio ambiente sadio, pois
envolve a poluição sonora. A legislação brasileira é bastante clara em
estipular esse direito, que envolve uma série de transtornos que já foram
avaliados e julgados pelo Poder Judiciário, que, por exemplo, considerou que
viola o direito ao sossego:
a) o barulho produzido por MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS, no INTERIOR
DE TEMPLO, causando perturbações aos moradores de prédios vizinhos;
b) os ruídos excessivos oriundos de utilização de QUADRA DE
ESPORTES;
c) a utilização de HELIPORTO em zona residencial;
d) o movimento de caminhões que fazem carga e descarga de
cimento, no EXERCÍCIO DE ATIVIDADE COMERCIAL EM ZONA RESIDENCIAL;
e) os ruídos excessivos feitos por ESTABELECIMENTO
COMERCIAL INSTALADO EM CONDOMÍNIO RESIDENCIAL;
f) os LATIDOS INCESSANTES DE CÃES;
g) a produção de som por BANDAS que tocam ao vivo em bares,
restaurantes, boates e discotecas; o mesmo vale para sons produzidos
eletronicamente etc.
Anoto, antes de prosseguir, que o abuso sonoro reconhecido nas ações
judiciais, independe do fato de, por acaso, ter sido autorizado pela autoridade
competente. Num caso em que se considerou excessivo o ruído produzido pelo
heliporto, havia aprovação da planta pela Prefeitura e seus órgãos técnicos;
num outro em que se constatou que a quadra de esportes produzia excessivo
barulho, a Prefeitura também tinha aprovado sua construção.
Aliás, lembro que os shows produzidos em estádios de futebol e que
violam às escâncaras o direito ao sossego dos vizinhos são, como regra,
autorizados pela Prefeitura local. Alguns shows, inclusive, varam a noite e a
madrugada, numa incrível violação a céu aberto. Realço que, nesses casos, a
própria Prefeitura é responsável pelos danos causados às pessoas.
LEGISLAÇÃO
LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS (DL Nº 3.688/1941)
Art. 42. Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo
com as prescrições legais;
III – abusando de
instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou
não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda:
Pena – prisão
simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa
LEI Nº 9.605/1998 (MEIO AMBIENTE)
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis
tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem
a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
CÓDIGO CIVIL
Art. 1.277. O
proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as
interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o
habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Consigno que, para a caracterização do delito penal de
perturbação do sossego, a lei não exige demonstração do dano à saúde. Basta o
mero transtorno, vale dizer, a mera modificação do direito ao sossego, ao
descanso e ao silêncio de que todas as pessoas gozam, para a caracterização do
delito.
Apenas no crime de poluição sonora é que se deve buscar
aferir o excesso de ruído. Na caracterização do sossego não. Basta a
perturbação em si.
Evidente que os danos causados são, primeiramente, de ordem
moral, pois atingem a saúde e a tranquilidade das pessoas, podendo gerar danos
de ordem psíquica. Além disso, pode também gerar danos materiais, como acontece
quando a vítima, não conseguindo produzir seu trabalho em função da
perturbação, sofre perdas financeiras.
A questão, portanto, não se restringe à esfera
administrativa, com o acionamento dos órgãos municipais. É, também, caso de polícia
e, naturalmente, envolve a esfera judicial, na qual a vítima pode tomar as
medidas necessárias, inclusive com pedido de liminar, para impedir ou fazer
cessar a produção do barulho excessivo e, ainda, podendo pleitear indenização
por danos materiais e morais.
É isso!
E durma-se com um barulho desses!
Desembargador aposentado do e. TJ/SP, Escritor e Professor
de Direito do Consumidor, Rizzatto
Nunes*
* Trechos de texto publicado no Portal Migalhas
ALGUNS JULGADOS
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO COMINATÓRIA COM PEDIDO DE
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - ATIVIDADES RELIGIOSAS - SOM MECÂNICO EM ALTA POTÊNCIA
DURANTE OS CULTOS - PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO - PROVA PERICIAL - EXCESSO DE
RUÍDO - LIMITE LEGAL ULTRAPASSADO - POLUIÇÃO SONORA CONFIGURADA - MAU USO DA
PROPRIEDADE - EXEGESE DO ART. 554 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - REALIZAÇÃO DE OBRAS
DE ISOLAMENTO ACÚSTICO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MANTIDA - RECURSO
NÃO PROVIDO. Comprovada a emissão de som mecânico de alta potência, acima dos
limites legais, durante a realização de atividades religiosas no interior de
seu templo, impõe-se à Igreja a edificação de obras de isolamento acústico, a
fim evitar que os ruídos continuem perturbando o sossego dos moradores das
propriedades vizinhas”. (TJ-SC - AC: 221215 SC 2004.022121-5, Relator: WILSON
AUGUSTO DO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 01/07/2005, Terceira Câmara de
Direito Civil)
“APELAÇÕES. DIREITO CIVIL. VIZINHANÇA. CERCEAMENTO DE
DEFESA. INEXISTÊNCIA. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. DANO MORAL. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. PRECEDENTES. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS À UNANIMIDADE. Não há
cerceamento de defesa quando o magistrado singular exerce a faculdade de livre
apreciação de prova que lhe é conferida pelo art. 131, do Código de Processo
Civil, indicando devidamente os motivos que lhe formaram o convencimento. O
sossego é bem jurídico componente dos direitos da personalidade. Uma vez
afetado, pode configurar-se o dano moral decorrente do comprometimento da
integridade física e psíquica do ofendido. Nas demandas em que o provimento
jurisdicional tem natureza condenatória, o parâmetro que há de servir de base
para o cálculo da verba é o valor da condenação e não o valor da causa.
Precedentes jurisprudenciais. Duas apelações. Provimento parcial de ambas, à
unanimidade”. (TJ-PE - APL: 540391820088170001 PE 0054039-18.2008.8.17.0001,
Relator: SÍLVIO DE ARRUDA BELTRÃO, Data de Julgamento: 06/01/2011, 3ª Câmara
Cível, Data de Publicação: 53)
“RECURSO CRIME. PERTURBAÇÃO DE SOSSEGO ALHEIOS. ARTIGO 42,
INCISO III, DO DL 3.688/41. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS SONOROS EM TEMPLO
RELIGIOSO. ISOLAMENTO ACÚSTICO. EXCESSO COMPROVADO. SUFICIÊNCIA DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. CONFLITO DE NORMAS. LEI ESTADUAL 13085/2008. NORMAS TÉCNICAS DA
ABNT. RESOLUÇÃO 01/90 DO CONAMA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1- A legislação
ambiental em vigor visa à proteção da saúde e do sossego da coletividade.
Assim, a garantia do livre exercício dos cultos religiosos sujeita-se a
restrições em caso de colisão com outros direitos fundamentais assegurados pela
Constituição. 2- Em caso de eventual conflito entre normas federais, estaduais
e municipais, prevalecem as primeiras. Ademais, a Lei Estadual 13.085/08 não
impede a aplicação da lei penal, quando suficientemente demonstrada, como
nestes autos, a ocorrência de perturbação ao trabalho e sossego alheios, ainda
que não atingidos os níveis de ruído estipulados naquele diploma especial.
RECURSO IMPROVIDO POR MAIORIA”. (TJ-RS - RC: 71004127627 RS , Relator: CRISTINA
PEREIRA GONZALES, Data de Julgamento: 25/02/2013, Turma Recursal Criminal, Data
de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/02/2013)
“Direito de vizinhança. Templo religioso. Perturbação ao
sossego da vizinha com ruídos provenientes dos cultos religiosos. Índice que
supera o mínimo tolerável. Ação julgada procedente. Cerceamento de defesa. Não
ocorrência. Oportunidade concedida às partes para manifestação acerca do laudo
pericial, quedando-se inertes. Impugnação tardia feita somente com as razões de
apelação. Inadmissibilidade. Desnecessidade da produção de outras provas além
das existentes nos autos. Níveis de ruído apurados. Norma NBR-10151, da ABNT.
Medições em residência vizinha, tanto na área externa quanto em área interna,
durante a realização dos cultos, com orquestra e sem orquestra. Ultrapassagem,
em todas as medições, dos índices máximos permitidos. Necessidade de adoção de
medidas de controle do ruído. Recurso improvido. Os ruídos produzidos no templo
religioso são superiores aos limites do aceitável, trazendo claro incômodo e
interferência prejudicial ao sossego e até mesmo à saúde daquela que habita o
imóvel vizinho, configurando uso anormal da propriedade. A liberdade religiosa,
assegurada constitucionalmente, não pode prejudicar o sossego alheio e as
normas de tolerância, decorrentes da convivência das pessoas em agrupamentos
sociais, observam limites a que todos devem obediência. Ultrapassados estes,
cabe as providências administrativas e jurisdicionais para recondução para as
regras de convivência social das pessoas”. (TJ-SP - APL: 40241218020138260224
SP 4024121-80.2013.8.26.0224, Relator: KIOITSI CHICUTA, Data de Julgamento:
09/04/2015, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/04/2015)
“RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO
ALHEIO. ARTIGO 42, INCISOS III DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS. ABUSO NO VOLUME
DE SOM INSTALADO EM AUTOMÓVEL. PRESENÇA DA POLÍCIA MILITAR SOLICITADA POR
TERCEIRO ANÔNIMO. POLICIAIS MILITARES QUE PRESENCIARAM O FATO. PROVA
DEVIDAMENTE VALORADA NA SENTENÇA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADA. SENTENÇA
MANTIDA”. (TJ-PR - APL: 000204315201381600390 PR 0002043-15.2013.8.16.0039/0
(Acórdão), Relator: LIANA DE OLIVEIRA LUEDERS, Data de Julgamento: 12/08/2015,
1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 13/08/2015)