Eis um caso sui generis, na década de 60, atinente à prisão de um violão e de um grupo de ilustres amigos boêmios da cidade de Campina Grande-PB, em face de uma serenata pelas ruas da cidade. O grupo procurou pelo advogado Dr. Ronaldo Cunha Lima e este, no mesmo instante, fez uma petição para o Juiz de Direito, Dr. Arthur Moura.
A petição entrou para a história da poesia nordestina com o título de Habeas Pinho.
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca
O instrumento do “crime” que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.
Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.
O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.
O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não: se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão
Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas finas e sonoras.
Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?
Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.
Ronaldo Cunha Lima
advogado
O Juiz de Direito, também campinense e também poeta, deu o seguinte despacho:
Para que eu não carregue
Remorso no coração,
Determino que se entregue
Ao seu dono, o violão.
Arthur Moura
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