Fredie Didier Jr.
Livre-Docente (USP). Doutor em Direito pela PUC/SP. Advogado e consultor jurídico.
Site: www.frediedidier.com.br
A ação rescisória fundada na primeira parte do inciso III do art. 485 do CPC (sentença resultado de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida) é uma das menos examinadas pela doutrina. É realmente muito pequeno o repertório doutrinário a respeito do assunto.
Não assusta, portanto, que também sejam raras as manifestações jurisprudenciais sobre essa hipótese de rescindibilidade.
Convém registrar, de logo, que esse texto normativo ainda está preso a uma concepção de boa-fé processual subjetiva. Tanto é assim que, de acordo com a letra legal, a rescisão da sentença pressupõe dolo, elemento subjetivo de uma conduta ilícita. Reprimir-se-ia, aqui, um comportamento animado pela má-fé.
Ao tempo da edição do Código de Processo Civil de 1973, a doutrina brasileira ainda não tinha conhecimento ou não dominava o manancial teórico da boa-fé objetiva. O texto codificado, à época, era encarado como uma proibição geral de comportamentos dolosos, e apenas isso. O inciso II do art. 14 do CPC era visto como uma proibição de prática de atos animados pela má-fé.
A evolução do pensamento jurídico brasileiro permitiu, porém, que atualmente se encare o texto normativo sob outro enfoque: trata-se da consagração do princípio da boa-fé no processo.
O inciso II do art. 14 do CPC brasileiro não está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito processual: trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções. Trata-se de consagração de uma cláusula geral de boa-fé processual, da qual se extrai o princípio da boa-fé processual.
Essa é a compreensão atual deste texto normativo (sobre o assunto, mais amplamente, DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 12 ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, v. 1, p. 60-67).
Exatamente em razão disso, é razoável defender a necessidade de uma releitura da parte inicial do inciso III do art. 485 do CPC.
A rescisória, nestes casos, serviria para desconstituir decisão judicial que tenha sido resultado de um comportamento da parte em desconformidade com a boa-fé objetiva, pouco importa se essa conduta tenha ou não sido animada pela má-fé. A parte inicial do inciso III do art. 485 transformar-se-ia, então, na hipótese de ação rescisória cabível para fazer valer o princípio da boa-fé processual e, assim, preservar a lealdade, a confiança e a ética processuais.
Não assusta, portanto, que também sejam raras as manifestações jurisprudenciais sobre essa hipótese de rescindibilidade.
Convém registrar, de logo, que esse texto normativo ainda está preso a uma concepção de boa-fé processual subjetiva. Tanto é assim que, de acordo com a letra legal, a rescisão da sentença pressupõe dolo, elemento subjetivo de uma conduta ilícita. Reprimir-se-ia, aqui, um comportamento animado pela má-fé.
Ao tempo da edição do Código de Processo Civil de 1973, a doutrina brasileira ainda não tinha conhecimento ou não dominava o manancial teórico da boa-fé objetiva. O texto codificado, à época, era encarado como uma proibição geral de comportamentos dolosos, e apenas isso. O inciso II do art. 14 do CPC era visto como uma proibição de prática de atos animados pela má-fé.
A evolução do pensamento jurídico brasileiro permitiu, porém, que atualmente se encare o texto normativo sob outro enfoque: trata-se da consagração do princípio da boa-fé no processo.
O inciso II do art. 14 do CPC brasileiro não está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito processual: trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções. Trata-se de consagração de uma cláusula geral de boa-fé processual, da qual se extrai o princípio da boa-fé processual.
Essa é a compreensão atual deste texto normativo (sobre o assunto, mais amplamente, DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 12 ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, v. 1, p. 60-67).
Exatamente em razão disso, é razoável defender a necessidade de uma releitura da parte inicial do inciso III do art. 485 do CPC.
A rescisória, nestes casos, serviria para desconstituir decisão judicial que tenha sido resultado de um comportamento da parte em desconformidade com a boa-fé objetiva, pouco importa se essa conduta tenha ou não sido animada pela má-fé. A parte inicial do inciso III do art. 485 transformar-se-ia, então, na hipótese de ação rescisória cabível para fazer valer o princípio da boa-fé processual e, assim, preservar a lealdade, a confiança e a ética processuais.
Esta releitura do texto legal serviria, enfim, para que o compreendêssemos como uma regra concretizadora do princípio da boa-fé processual.
Embora não tenha sido feita essa abordagem, o STJ parece ter decidido neste sentido.
No julgamento do Resp. n. 656.103-DF, rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª T., j. em 12.12.2006, acórdão publicado no DJ de 26.02.2007, p. 595, acolheu-se ação rescisória em um caso de nítida violação à boa-fé objetiva.
Vejamos o caso.
As partes fizeram acordo extrajudicial. Uma das partes comprometera-se a desistir de uma demanda se a outra parte doasse um imóvel a alguém. Não obstante a prestação de doação tenha sido substancialmente adimplida, a parte autora não desistiu do processo. A parte ré do processo originário (aquela que se comprometera a doar o imóvel) deixou de defender-se no processo, na crença de que o acordo já tinha sido cumprido. Foi reconhecida a sua revelia e decretados todos os seus efeitos. Houve sentença de procedência de todos os pedidos formulados, não obstante o acordo.
O STJ entendeu que a sentença fora resultado de um comportamento indevido da parte autora, que injustificadamente não cumpriu a sua prestação: desistir do processo. Aplicou-se a teoria do adimplemento substancial, que é manifestação da boa-fé objetiva (SILVA, Clóvis do Couto e. “O princípio da boa-fé no Direito brasileiro e português”. O Direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Vera Jacob de Fradera (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 55; SCHREIBER, Anderson. “A boa-fé e o adimplemento substancial”. Direito Contratual – temas atuais. Giselda Maria Hironaka e Flávio Tartuce (coord.). São Paulo: Método, 2007, p. 141; DIDIER Jr., Fredie. “Notas sobre a aplicação da teoria do adimplemento substancial no direito processual civil brasileiro”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2009, n. 176).
No caso, considerou-se que a obrigação de doar fora substancialmente adimplida, o que impediria a alegação de exceção de contrato não cumprido pela parte autora, que se comprometera a desistir do processo. A doutrina é vasta ao aplicar a teoria do adimplemento substancial à exceção de contrato não cumprido (ABRANTES, José João. A exceção de não cumprimento do contrato no direito civil português – conceito e fundamento. Coimbra: Almedina, 1986, p. 123-127; MORENO, María Cruz. La ‘exceptio non adimpleti contractus’. Valência: Tirant lo Blanch, 2004, p. 75; BECKER, Anelise. “A doutrina do adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativista”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1993, v. 09, p. 60 e 65; BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 104-106).
Não se exigiu a demonstração de qualquer elemento subjetivo (má-fé; dolo) para a configuração da hipótese de rescindibilidade da parte inicial do inciso III do art. 485 do CPC. Rescindiu-se a decisão que fora produto de um comportamento objetivamente reprovável da parte autora, contrário aos padrões de comportamento ético impostos pelo princípio da boa-fé processual.
Trata-se de decisão que ratifica a consagração da cláusula geral de boa-fé processual do inciso II do art. 14 do CPC e que abre um profícuo novo caminho de interpretação desta conhecida e tradicional hipótese de rescindibilidade da sentença.
Editorial 103
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