No último dia 3 de dezembro, foi
publicada a Lei 12.736/12, que dispõe sobre a detração penal a ser realizada
pelo juiz de conhecimento no momento em que é prolatada a sentença
condenatória.
Apesar de o
enunciado da Súmula 716 do STF já admitir a “progressão de regime de
cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela
determinada, antes do trânsito em julgado na sentença condenatória”, o tema é
novo na medida em que dota o juiz de conhecimento de competência para realizar
a detração, antes conferida apenas ao juiz da execução, a fim de que sejam
evitadas situações em que o apenado “tenha que aguardar a decisão do juiz da
execução penal, permanecendo nessa espera em regime mais gravoso ao que pela
lei faz jus”, conforme consta da exposição de motivos.
O enunciado da
referida súmula decorreu da necessidade de assegurar os benefícios da execução
da pena aos sentenciados que se encontravam acautelados no período anterior ao
trânsito em julgado da sentença condenatória. Como meio de assegurar a ampla
utilização da via recursal sem prejuízos ao apenado que se encontrava preso,
foi permitido ao juiz da execução proceder à progressão de regime enquanto não
ocorria o trânsito em julgado em definitivo.
A novel
legislação vem, de modo semelhante, permitir progressão de regime com a
detração na sentença do período em que o réu permaneceu preso a título de
prisão preventiva ou internação, uma vez que os artigos 42 do Código Penal e
111 da Lei de Execução Penal preveem o instituto apenas por ocasião da pena
privativa de liberdade e para a medida de segurança.
O parágrafo 2º
acrescentado ao artigo 387 do Código de Processo Penal é claro ao dispor que:
“O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no
Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime
inicial de pena privativa de liberdade”.
Todavia, alguns
pontos merecem análise mais detida. O primeiro deles é que A NORMA NÃO REVOGOU O ARTIGO 110 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL, o qual
reza: “O juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará
o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no artigo 33
e seus parágrafos do Código Penal”.
O parágrafo 2º
do artigo 387 do Código de Processo Penal deve ser interpretado como exigência
de um novo capítulo da sentença condenatória, a posteriori da fase da dosimetria da pena. O
sistema trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal, assim como o exame do
regime imposto para a pena — artigo 33, parágrafo 3º do Código Penal — e
eventual unificação em caso de concurso de penas continuam inalterados. Somente
após essa análise, é que se apreciará, se for o caso, a incidência do parágrafo
2º do artigo 387 do Código de Processo Penal.
Portanto, o
juiz dedicará, na sentença, um capítulo próprio para a dosimetria da pena —
como já fazia — no qual fixará o regime inicial de cumprimento com base na pena
final aplicada na sentença, não considerando, nessa oportunidade, a “nova
detração penal” oriunda da lei em comento.
Em seguida, em NOVO CAPÍTULO DA SENTENÇA, o magistrado
reconhecerá ou não o direito do réu à progressão de regime, caso este tenha
tempo de prisão processual suficiente para tanto.
Desse modo, a
pena definitiva e o verdadeiro regime inicial de cumprimento da pena, inclusive
o que será indicado na carta de guia a ser enviada à Vara de Execução Penal,
são aqueles determinados pelo artigo 110 da LEP, ou seja, os encontrados no
capítulo da pena definitiva (e não naquela detraída da prisão preventiva já
cumprida). É preciso rememorar que a pena definitiva não tem somente a função
de fixação do regime inicial do cumprimento da pena, mas é também referência
para o cômputo do prazo prescricional da pretensão punitiva ou executória,
unificação de penas, indultos e comutações, benefícios para trabalho externo e
saídas temporárias.
Um segundo
ponto que merece atenção é o referente ao objetivo da novel legislação: SOMENTE OCORRERÁ A DETRAÇÃO PENAL PELO JUIZ
DO PROCESSO DE CONHECIMENTO PARA FINS DE PROGRESSÃO DE REGIME DE PENA.
Isso significa
que, nas hipóteses em que a detração não é hábil a modificar o regime, não
haverá cômputo inferior de pena a ser realizado, sob pena de o juízo de
conhecimento invadir a competência do juízo da execução, pois o artigo 66, III, c, da LEP, não restou
alterado pela Lei 12.736/12 nesse particular.
A DETRAÇÃO A SER REALIZADA PELO JUIZ DE
CONHECIMENTO, conforme
determinado pela nova lei, É APENAS PARA
FINS DE REGIME DE PENA, em relação tão-somente ao início de cumprimento da
reprimenda. Se este não for alterado, não pode haver cálculos para diminuir a
reprimenda. Nesse caso, o juiz disporá que deixa de aplicar a
detração prevista no parágrafo 2º, do artigo 387 do Código de Processo Penal,
vez que o regime não será modificado, não obstante o período de prisão
preventiva do sentenciado.
Pensar de modo
diverso significa invadir seara de competência do juízo da execução, incidindo
à espécie nulidade indicada no artigo 564, inciso I, do Código de Processo
Penal. Além disso, essa consideração equivocada do tempo de detração, como se
desconto fosse, ensejaria perplexidades, como a de que o tempo de custódia
cautelar tivesse cômputo diverso do tempo de recolhimento próprio da execução
penal em sentido estrito.
O terceiro
ponto de cuidado refere-se à atenção a ser dada à incidência da nova lei, a fim
de que não sejam conduzidas situações que se desviem do seu objetivo, qual
seja, o acesso dos sentenciados ao direito à primeira progressão de regime. Não
se podem criar situações benéficas indevidas que possam culminar em excessivo
volume de revisão de execuções em curso, tornando ainda mais crítica a execução
penal.
Exemplo disso
refere-se à consideração de que NEM TODA
PRISÃO PROVISÓRIA PODE SER USADA PARA FINS DE DETRAÇÃO, sob pena de se
criar uma "conta corrente de pena" em favor do criminoso, o que lhe
permitiria praticar crimes futuros sem receber qualquer reprimenda. As penas admitem a detração quando
diversos os fatos, desde que os delitos tenham sido perpetrados em data
anterior à prisão indevida. Esse
cálculo somente pode ser realizado pelo juiz da execução.
Somente ao juiz
da execução penal compete avaliar se, na espécie, estão presentes os requisitos
objetivos e subjetivos para a concessão de qualquer benefício com a observância
do acompanhamento disciplinar até o final do cumprimento da pena. Não se pode
vincular à progressão de regime um mero procedimento de cálculo aritmético de
cumprimento de pena, ignorando o mérito do sentenciado e, verdadeiramente,
negando vigência ao que estabelece o artigo 112 da Lei de Execução Penal.
O juiz de
conhecimento que se deparar com situações em que seja necessária a avaliação mais
detida do apenado por meio de laudos criminológicos deverá se negar a proceder
a progressão, sob pena de violar a correta individualização da pena, pois um
exame mais detido do mérito do acusado é incompatível com a fase da prolação da
sentença condenatória.
Por fim, se
observa que a Lei 12.736/12 é mais uma lei que vem suprir a falta de políticas
públicas ao sistema de execução penal. Tornou-se rotineiro procurar resolver
problemas sociais, principalmente do sistema carcerário, por meio de leis
penais despenalizadoras. Todavia, os operadores do Direito não podem, de modo
açodado e sem uma análise crítica da nova lei, transformar o processo de
conhecimento em processo de execução com uma única penada, sob pena de
transformar a execução penal em uma grande falácia e consagrar, em definitivo,
a impunidade.
Rejane Jungbluth Teixeira é juíza de
Direito substituta da Vara de Execuções Penas e Medidas Alternativas do
Tribunal de Justiça d Distrito Federal. Pós-graduada em Ciências Criminais pela
FEMPDFT.
Revista Consultor Jurídico
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