Eudes Quintino de Oliveira Júnior
O Código de Trânsito Brasileiro, quando editado, carregava a promessa de conter a escalada de crimes culposos por imprudência, negligência ou imperícia, que tenham causado sérias lesões e até ceifado vidas humanas. Não atingiu seus objetivos. Tanto é verdade que, recentemente, a Suprema Corte decidiu que conduzir veículo automotor em estado de ebriedade, por si só, já é crime, independentemente de causar dano a terceiro. Sem falar ainda que as condutas são tão reprováveis que muitas vezes se avizinham do dolo eventual, levando o caso para o Tribunal do Júri, com total manifestação de apoio da sociedade.
A solução encontrada foi a legal: alterar o artigo 306, da lei 9.503, de 30 de setembro de 2007, que criou o Código Brasileiro de Trânsito, para penalizar mais severamente aquele que conduzir veículo automotor, sob a influência de álcool ou substância psicoativa, em casos de lesão corporal ou morte.
Nova lei (lei 11.705, de 19/6/2008) veio reforçar e alterar alguns dispositivos do Código de Trânsito, visando atender o reclamo social, ajustar-se ao rigorismo mundial de combate ao binômio álcool-direção, promovendo instrumentos de mecanismo de execução compatíveis com a realidade brasileira. Atropelou, porém, a reserva do nemo tenetur se detegere, que assegura ao cidadão o direito de não realizar provas contra si mesmo, conforme conteúdo constitucional.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) provocou uma corrida legislativa para acudir o que restou da Lei Seca, assim conhecida. Decidiu que somente o bafômetro e o exame de sangue são provas suficientes para a constatação da ebriedade, rejeitando peremptoriamente o exame clínico e a prova testemunhal. Isto porque a lei exige, para a configuração do ilícito, um grau mínimo de seis decigramas de álcool por litro de sangue. Tal valor só pode ser apurado pelo teste de alcoolemia e exame hematológico.
A resposta legislativa veio apressada. Assim, o projeto de mudança chegou à Câmara dos Deputados, onde foi votado e aprovado a toque de caixa. Dentre as modificações previstas é de se ressaltar a extinção da obrigatoriedade do teste do bafômetro e do exame de sangue, provas que, para sua realização, ficam a critério do condutor. Elege, por outro lado, com o espírito tradicional processual, as provas obtidas por testemunhas, imagens, vídeos ou quaisquer outras admitidas em direito. O projeto passou e recebeu oplacet da Comissão de Constituição e Justiça e do plenário do Senado.1
É certo que o país precisa urgentemente de uma legislação que seja ao mesmo tempo severa e eficaz no combate aos exageros ocorridos no trânsito em razão da ingestão de bebida alcoólica, ceifando inúmeras vidas. Talvez a medida correta seja estabelecer a tolerância zero de álcool para aquele que estiver na direção do veículo. Se há um índice permissivo significa que a lei consente que o motorista, após fazer uso de bebida alcoólica, mesmo em pequena quantidade, possa dirigir.
As novas regras vêm especificadas na lei 12.760, sancionada em 22/12/2012, que modifica os artigos 165, 262, 276, 277 e 306, da lei 9.503, de setembro de 1997. Apresenta determinados meios de provas e, em seguida, de forma abrangente, abraça todos os demais, desde que sejam admitidos em direito. O teste de alcoolemia e o exame de sangue são considerados provas lícitas em direito, desde que o agente, ofereça sua aquiescência para tanto. E, até mesmo por ironia, podem ser realizados para comprovar a inocência do condutor, pois se não for constatada concentração alcoólica, caem por terra as demais provas.
A prova testemunhal é considerada pelo legislador processual penal como uma prova que inspira credibilidade. Isto porque recolhida do próprio cidadão que exerce, excepcionalmente, a figura do longa manus do poder policial do Estado. Ninguém, portanto, melhor do que ele para reconstituir a verdade de um fato que está sendo investigado. Além do que, é um membro da comunidade e não tem qualquer interesse no deslinde da causa. A não ser apresentar uma versão que seja idônea com o fato investigado.
Nem sempre, no entanto, a testemunha relata o fato de acordo com a realidade porque depende da retenção, da percepção, da atenção, dos sentidos, da recordação do ocorrido, sem mencionar ainda o estado psicológico, eventual deficiência física ou mental ou até mesmo a idade do colaborador. Tamanha a aceitação da prova testemunhal que o Digesto Romano advertia que pela palavra de duas ou três testemunhas se faz prova perfeita.
Em blitz policial a testemunha convocada não irá tecer comentários a respeito da quantidade de álcool que provavelmente foi ingerida pelo agente, mas sim narrar as circunstâncias externas de seu comportamento, de sua fala, de sua conduta e até mesmo do teor etílico que exala. É uma prova que trará conforto e segurança para um julgamento mais condizente com a realidade. Pode ocorrer, no entanto, que a testemunha não tenha condições de fazer afirmação a respeito da embriaguez do agente, mas a nova lei foi além e apontou outras provas que poderão demonstrar a ebriedade.
As imagens fotográficas ou cinematográficas captadas de pessoas que não se encontram na esfera de sua intimidade e sim circulam pelas vias públicas são perfeitamente aceitáveis, pois não ofendem o right of privacy. O legislador já demonstrou certo apreço pela rede de computadores quando permitiu a realização do interrogatório do acusado por videoconferência (lei 11.690/2008). O bem maior, que é a segurança pública, supera qualquer interesse individual. Os aparelhos ópticos instalados em logradouros públicos, como verdadeiros vigilantes, oferecem uma prova consistente com relação aos movimentos do motorista em eventual estado de ebriedade.
Além da parte criminal propriamente dita, a nova lei majora e em muito a multa aplicada. Da importância de R$ 957,70 imposta atualmente, para R$ 1.915,40, valor que pode dobrar em caso de reincidência.
1 Disponível em: https://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/12/18/punicao-a-motorista-alcoolizado-fica-mais-rigorosa-decide-plenario. Acesso em 19 de dez. 2012.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde e é reitor da Unorp
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