É grande a polêmica acerca da aplicação do princípio da subsidiariedade no âmbito do Conselho Nacional de Justiça.
A imprensa capitaneia o posicionamento de muitos que são radicalmente contrários.
A controvérsia cresceu à medida em que o Supremo Tribunal Federal está prestes a proferir decisão em processo paradigmático que ilustra a questão (a votação foi suspensa na data de 28.09.2011): Ação Direta de Inconstitucionalildade ajuizada pela AMB – Associação dos Magistrados do Brasil, na qual um dos temas discutidos é a possibilidade de o órgão julgar de imediato as questões disciplinares que lhes forem submetidas, sem que antes sejam abordadas pelas Corregedorias dos Tribunais. Há ainda mandados de segurança cujos pontos de discussão centram-se também no princípio da subsidiariedade, que não foi observado em julgamentos administrativos (no CNJ).
Verbaliza-se que o STF pode “esvaziar” o CNJ, enfraquecendo-o ao impedir o julgamento originário por parte da Corte Administrativa. Critica-se o corporativismo dos magistrados, além de que o CNJ se transformaria, metaforicamente, em um “leão sem dentes”.
O tom das críticas aumentou recentemente após a Corregedora Nacional de Justiça referir-se genericamente a “bandidos escondidos atrás da toga”.
Discussões à parte, entendemos que celeuma de tamanha proporção é sem razão de ser. É um ponto de vista. Explicamos.
Acerca do tema, princípio da subsidiariedade, em singelas pinceladas, é a necessidade de se averiguar as representações e os processos administrativos contra os juízes, por primeiro, na instância na qual estão submetidos e, posteriormente, via recursal, ao Conselho Nacional de Justiça.
O que acontece atualmente é que o CNJ julga diretamente em única instância os casos que entende ter relevância e a decisão final é sua sem qualquer possibilidade de recurso. Ratificou-se tal posicionamento face à edição da Resolução 135, CNJ, cujo artigo 12, parágrafo único, dispõe que “para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça”.
Ora, é só analisar nosso sistema processual e veremos que ele possibilita a discussão da causa em ao menos dois graus de jurisdição (judicial ou “administrativa”). O status quo é que o CNJ julga e aplica suas sanções, inclusive as mais graves, como aposentadoria compulsória, disponibilidade e demissão (art. 3º, VI, Resolução 135/2011, CNJ) e não há qualquer possibilidade de recurso da decisão. Somente resta ao “condenado” se insurgir ao Supremo Tribunal Federal via mandado de segurança que tem como requisitos indispensáveis o direito líquido e certo, o que afasta de plano a rediscussão fática da causa. Ou seja, aquele magistrado ou servidor que teve seu processo julgado pelo CNJ não terá direito a qualquer recurso para rediscutir os fundamentos fáticos e de direito da decisão. Será julgado uma única vez, sem possibilidade de “apelo”. Se for condenado, não terá direito a alegar a falibilidade humana, justificativa inerente aos recursos.
Será o CNJ infalível para que exista apenas uma decisão acerca de determinado processo administrativo?
Ninguém quer injustiça e iniqüidade, muito menos quem faz a justiça. A purificação dos quadros da magistratura é o que se almeja via exclusão dos indignos, daqueles que não dignificam o cargo. Contudo, isso não pode se dar “a rodo”. O processo, mesmo o administrativo, deve ser garantista, possibilitando-se que haja instauração e julgamento no âmbito dos fatos e após o julgamento do recurso pelo CNJ, salvo exceções pontuais.
Em nosso sistema, o mais odiado criminoso, que cometeu inúmeras barbáries -latrocínio, estupros diversos de mulheres e crianças, homicidas por paga - , tem direito a três ou quatro possibilidades de análise de sua causa (juiz, tribunal, STJ e STF). No mínimo, terá duas.
Já no caso dos juízes, a decisão do CNJ, nos casos que o órgão entender pertinente, será única: imutável e indiscutível.
O que se quer ao defender o princípio da subsidiariedade é possibilitar que os juízes sejam julgados primeiro no âmbito do tribunal onde ocorreu os fatos e, após, via recurso ao CNJ (in Conselho Nacional de Justiça e a Magistratura Brasileira, 2ª edição, 2011, Curitiba-PR, Ed. Juruá). Para evitar o corporativismo há remédios: mantém-se a avocação do processo pelo CNJ em casos pontuais, por exemplo, morosidade na apuração, interesse da maioria dos órgãos julgadores, determina-se que os juízes sejam julgados administrativamente pelos superiores hierárquicos imediatos.
A questão é simples assim. Não se trata de esvaziar os poderes do CNJ ou de corporativismo desenfreado por parte dos juízes, mesmo porque o CNJ é quem dará a última palavra quando da apreciação do recurso administrativo que lhe for dirigido, ante à sua competência natural para o julgamento. Mais que isso, mantém-se seu poder avocatório.
Assim, por exemplo, garante-se ao juiz que for representado que seja julgado no âmbito da Corregedoria do Tribunal, com recurso ao CNJ. É esse o ponto da discussão.
Os que estão contrários a isso são favoráveis a um julgamento único por parte do CNJ.
O fato é que o próprio órgão em diversas ocasiões, quando a Corregedoria dos Tribunais está a apurar determinado fato, afasta-se da análise e aguarda o julgamento do órgão correicional. Isso é claro como a luz do sol. O que se combate é o que acontece com frequência.
Os que são contrários, querem fazer prevalecer o julgamento do CNJ em casos pontualmente eleitos. Contudo, salvo casos excepcionalíssimos, todos têm direito à rediscussão da causa, a mais de um ponto de vista acerca da mesma questão.
Entretanto, entendemos que o representado (ou réu no âmbito administrativo) deve ser julgado pela instância administrativa superior. Assim, um juiz é julgado pela Corregedoria dos Tribunais, os desembargadores estaduais e federais pelo Superior Tribunal de Justiça. Já os ministros dos Tribunais Superiores devem ser julgados diretamente pelo CNJ, possibilitando-se o recurso administrativo ao Supremo Tribunal Federal, de lege ferenda. Aliás, é isso que se dá no âmbito penal, face à competência originária dos tribunais para julgarem diretamente os juízes e do STJ para julgarem os desembargadores. É norma posta, o que ocorre no dia-a-dia.
Desse modo, não se trata de esvaziar as atribuições ou enfraquecer o CNJ, mas de adequar a norma ao sistema processual em vigor, evitando-se distorções que possibilitam um julgamento único.
ANTÔNIO VELOSO PELEJA JÚNIOR
Juiz de Direito e autor da obra Conselho Nacional de Justiça e a Magistratura Brasileira
Juiz de Direito e autor da obra Conselho Nacional de Justiça e a Magistratura Brasileira
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