“O sofrimento dessas mulheres pode ser tão grande que estudiosos do tema classificam como tortura o ato estatal de compelir a mulher a prosseguir na gravidez de feto anencéfalo”
“A manutenção compulsória da gravidez de feto anencéfalo importa em graves danos à saúde psíquica da família toda e, sobretudo, da mulher”
“Enquanto, numa gestação normal, são nove meses de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, com a predominância do amor, em que a alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da criança; na gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam sentimentos mórbidos, de dor, de angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero, dada a certeza do óbito”
Marco Aurélio
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Por Marília Scriboni - é repórter da revista Consultor Jurídico.
“O sofrimento dessas mulheres pode ser tão grande que estudiosos do tema classificam como tortura o ato estatal de compelir a mulher a prosseguir na gravidez de feto anencéfalo.” A consideração é do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que nesta quarta-feira (11/4) declarou como inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro.
Caso a decisão do ministro seja seguida, fica reconhecido o direito da gestante de submeter-se ao citado procedimento sem estar compelida a apresentar autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão do Estado.
O assunto vem sendo tratado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS). Em seu voto, de exatas 50 páginas, o ministro lembrou que “até o ano de 2005, os juízes e tribunais de justiça formalizaram cerca de três mil autorizações para a interrupção gestacional em razão da incompatibilidade do feto com a vida extrauterina”.
Segundo o ministro, “o tema envolve a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. No caso, não há colisão real entre direitos fundamentais, apenas conflito aparente”.
O voto, “cabe perquirir se há justificativa para a lei compelir a mulher a manter a gestação, quando ausente expectativa de vida para o feto”. E o próprio ministro responde: “a manutenção compulsória da gravidez de feto anencéfalo importa em graves danos à saúde psíquica da família toda e, sobretudo, da mulher”.
“Enquanto, numa gestação normal, são nove meses de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, com a predominância do amor, em que a alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da criança; na gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam sentimentos mórbidos, de dor, de angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero, dada a certeza do óbito”, anotou.
Em seu voto, o ministro ainda lembrou que esse tipo de gestação pode causar outros males para a mãe. “A cabeça do feto portador de anencefalia não consegue se 'encaixar' de maneira adequada na pélvis, o que importa em um trabalho de parto mais prolongado, doloroso, levando, comumente, à realização de cesariana. Em 50% dos casos, a poli-hidrâmnio, ou aumento do líquido amniótico, está ligada à anencefalia, tendo em vista a maior dificuldade de deglutição do feto portador de referida anomalia, situação que também pode conduzir à hipertensão, ao trabalho de parto prematuro, à hemorragia pós-parto e ao prolapso de cordão”.
Revista Consultor Jurídico
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