(Arte do Conjur)
Wadih Damous
Presidente da OAB do Rio de Janeiro (OAB-RJ)
Recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida em caráter incidental, fixou o entendimento segundo o qual aos defensores públicos é dispensada a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil para o exercício da função. A OAB, seja por meio de seu Conselho Federal, seja pela Seccional Paulista, não foi chamada a participar do processo. Ainda assim, e mesmo diante de precedentes em sentido contrário e que atacaram a questão como seu objeto principal, 80 defensores públicos pediram o cancelamento de suas inscrições na OAB-SP.
A decisão, além de carecer de legitimidade democrática (pela já referida ausência de participação da OAB no processo), e não ter qualquer caráter vinculativo (representa entendimento minoritário no próprio Tribunal de Justiça de São Paulo e foi proferida em caráter incidental) merece críticas com relação aos seus fundamentos.
A lei 8.906/1994 regula o exercício da advocacia, seja pública ou privada. Conforme se depreende da redação do artigo 3º, caput e parágrafo 1º, os membros das carreiras jurídicas públicas, excluindo a magistratura e o Ministério Público, exercem a advocacia e são regulados pela referida lei e, representados pela Ordem dos Advogados do Brasil. Tanto é assim que tais profissionais podem, inclusive, concorrer às vagas destinadas ao quinto constitucional da advocacia.
Concretamente, um defensor público foi, há pouco tempo, nomeado para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na vaga da advocacia, tendo participado regularmente do processo de escolha da lista sêxtupla perante a OAB-RJ, incluído na lista tríplice do tribunal e nomeado pelo governador do estado do Rio de Janeiro, sem que, em nenhum momento, tenha sequer sido questionada sua legitimidade para participar do certame.
Não se pode pretender, assim, desfrutar dos bônus sem arcar com os ônus. Os defensores públicos são submetidos à Lei 8.906/1994 e representados pela OAB e, nessa qualidade, devem ter regular inscrição na entidade para gozarem de capacidade postulatória e, consequentemente, arcar com as obrigações que dela decorrem, tais como o pagamento da anuidade e a obrigação de votar nas respectivas eleições.
Pode-se objetar, tal como o fez o TJ-SP, que os defensores públicos se submetem a regime próprio, estabelecido pela lei complementar 80/1994. Nessa qualidade, os defensores seriam submetidos apenas a esse regime, e representados pelas associações específicas da carreira.
Não há dúvida de que os defensores públicos se submetem ao regime da referida lei complementar (sem prejuízo das respectivas leis complementares de cada estado da federação), tampouco que são representados por suas associações. Mas nada impede, igualmente, que tais profissionais se submetam a um duplo regime funcional. Esse duplo regime foi criado pela conjunção de duas leis de mesma hierarquia. Não havendo vedação constitucional com relação a essa situação, os dois regimes hão de conviver.
Especificamente quanto à necessidade de inscrição nos quadros da OAB para que qualquer advogado, público ou privado, adquira capacidade postulatória, a alteração promovida na lei complementar 80/1994, em virtude da lei complementar 132/2009, não foi suficiente para dispensar o defensor público de tal ônus.
É que, como já dito, o defensor público se submete a um duplo regime, composto pelo somatório das regras contidas na regulamentação da profissão e no estatuto da advocacia. Trata-se de verdadeiro microssistema legal, a exemplo do que se verifica com as regras aplicáveis aos juizados especiais ou às ações coletivas. Assim, não há que se falar em regra especial contida na lei complementar 80/1994 em sua redação alterada, mas sim em aplicação integrativa de ambas as leis.
Se, portanto, a lei complementar que regula a função do defensor público se contenta, para fins de capacidade postulatória, com a regular investidura no cargo, o estatuto da advocacia (lei de mesma hierarquia, na linha da jurisprudência pacífica do STF) exige um requisito complementar: a inscrição nos quadros da OAB. Esse é o entendimento, fruto da interpretação integrativa da lei 8.906/94 e lei complementar 80/1994, que deve, a meu juízo, prevalecer na hipótese.
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