RECURSO ESPECIAL Nº 1.190.880 - RS (2010/0071711-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SARA SLOMKA
ADVOGADO : FERNANDO BRILMANN E OUTRO(S)
RECORRIDO : BRADESCO SAÚDE E ASSISTÊNCIA S/A
ADVOGADO : GERALDO NOGUEIRA DA GAMA E OUTRO(S)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cinge-se a lide a determinar a existência de dano moral na recusa injusta de cobertura por seguro saúde.
I. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535 do CPC.
Da análise do acórdão recorrido, constata-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício que pudesse ter sido sanado pela via dos embargos de declaração, salvo o erro material reconhecido pelo TJ/RS. O Tribunal Estadual se pronunciou de maneira a discutir todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados logo adiante.
O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica em obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.
Constata-se, na realidade, o inconformismo da recorrente e a tentativa de imprimir aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do mencionado recurso.
Assim, não se vislumbra violação do art. 535 do CPC.
II. Do dano moral. Violação dos arts. 186 e 187 do CC/02; e 6º, VI, do CDC.
Inicialmente, cumpre restabelecer o panorama fático traçado pelo 1º e 2º grau de jurisdição, no qual deve se prender a análise desta Corte, tendo em vista o óbice contido na Súmula 07/STJ.
Da leitura da sentença, extrai-se que a recorrente estabeleceu relação contratual com a BRADESCO SAÚDE em 1991. Em 17.10.2008, confirmado o diagnóstico de câncer e agendado procedimento cirúrgico que, consoante orientação médica, seria a única alternativa de tratamento, a recorrente foi informada de que a BRADESCO SAÚDE não pagaria pela prótese a ser utilizada, ante a existência de cláusula contratual de exclusão de cobertura (fls. 163, e-STJ).
Como não tinha condições financeiras de custear a prótese, a recorrente, já internada e prestes a ser operada, viu-se compelida e emitir cheque caução, sem provisão de fundos, para que a cirurgia fosse realizada, tendo, concomitantemente, recorrido ao Poder Judiciário, com vistas a obter tutela antecipada que obrigasse a BRADESCO SAÚDE a arcar com o referido material, de modo a evitar a inclusão do seu nome em cadastros de inadimplência, bem como para evitar transtornos na concessão da alta médica (fls. 72, e-STJ).
Esse é o cenário fático com base no qual se deu o julgamento da presente ação.
O Juiz de 1º grau de jurisdição, embora tenha reconhecido a obrigação da operadora de cobrir as despesas referentes à prótese utilizada na cirurgia – questão que se encontra transitada em julgado, pois, mantida pelo TJ/RS, não foi objeto de recurso pela BRADESCO SAÚDE – negou o pedido de indenização a título de danos morais, “por se tratar de mero descumprimento contratual, sem maiores implicações à demandante, que realizou a cirurgia sem maiores complicações” (fl. 165, e-STJ).
O Tribunal Estadual manteve a mesma linha de raciocínio, consignando que “no caso dos autos, ficou comprovado o experimento de um mero dissabor da parte autora, qual seja, um mero desacerto contratual, eis que o ocorrido não demonstrou resultar em transtorno psicológico de grau relevante a desencadear indenização por abalo moral” (fl. 248, e-STJ).
Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência do STJ vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura securitária, na medida em que a conduta agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, o qual, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada.
Confiram-se, à guisa de exemplo, os seguintes julgados: REsp 1.067.719/CE, 4ª Turma, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, DJe de 05.08.10; AgRg no REsp 1.172.778/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 31.05.10; REsp 918.392/RN, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 01.04.08; e REsp 880.038/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 18.12.2006.
Na realidade, a regra geral tem sido excepcionada nas hipóteses em que, a partir da própria descrição das circunstâncias que perfazem o ilícito material, seja possível entrever consequências bastante sérias de cunho psicológico como resultado direto do inadimplemento culposo.
Na hipótese específica destes autos, a recorrente já estava internada e prestes a ser operada – naturalmente abalada pela notícia de que estava acometida de câncer – quando foi surpreendida pela notícia de que a prótese a ser utilizada na cirurgia não seria custeada pelo plano de saúde no qual depositava confiança há quase 20 anos.
Sem alternativa, foi obrigada a emitir cheque desprovido de fundos para garantir a realização da intervenção cirúrgica. Assim, a toda a carga emocional que antecede uma operação somou-se a angústia decorrente não apenas da incerteza quanto à própria realização da cirurgia mas também acerca dos seus desdobramentos, em especial a alta hospitalar, sua recuperação e a continuidade do tratamento, tudo em virtude de uma negativa de cobertura que, ao final, se demonstrou injustificada, ilegal e abusiva.
O diagnóstico positivo do câncer certamente trouxe forte comoção à recorrente.
Porém, talvez pior do que isso, tenha sido ser confortada pela notícia quanto à existência de um tratamento para, em seguida, ser tomada de surpresa por uma ressalva do próprio plano de saúde – que naquele momento deveria transmitir segurança e tranquilidade ao associado – que impedia a sua realização, gerando uma situação de indefinição que perdurou até depois da cirurgia.
Maior tormento que a dor da doença é o martírio de ser privado da sua cura. Portanto, há de se reconhecer o abalo moral suportado pela recorrente, fixando-se a indenização respectiva em R$15.000,00 (quinze mil reais), na linha dos precedentes desta Corte.
III. Da sucumbência. Violação do art. 20 do CPC.
Os honorários de sucumbência foram arbitrados pelo Juiz de 1º grau em R$900,00 (novecentos reais), com supedâneo no art. 20, § 4º, do CPC (fl. 166, e-STJ), tendo a verba sido mantida pelo TJ/RS, por “estar de acordo com os parâmetros estabelecidos nesta Câmara” (fl. 250, e-STJ).
Alega a recorrente que, “como a causa comportou o caráter condenatório, o juízo deveria ter efetivamente aplicado o patamar determinado no parágrafo terceiro” (fl. 305, e-STJ).
O § 3º do art. 20 do CPC determina que os honorários sejam fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação. O § 4º do referido dispositivo legal, por sua vez, faculta ao Juiz a fixação dos honorários, consoante sua apreciação equitativa, nos processos de pequeno valor, nos de valor inestimável, nos que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública e nas execuções.
Na espécie, a sentença condenou a BRADESCO SAÚDE ao pagamento de valor certo, de modo que os honorários deveriam ter sido calculados com base no § 3º do art. 20 do CPC.
Dessa forma, atenta aos parâmetros das letras “a”, “b” e “c” do § 3º do art. 20 do CPC, arbitro a verba honorária em 15% sobre o valor da condenação.
Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para o fim de condenar a BRADESCO SAÚDE ao pagamento de indenização por danos morais fixada em R$15.000,00, mantida a condenação por danos materiais imposta pelo 1º e 2º grau de jurisdição.
Considerando que o provimento do recurso especial implicou acolhimento integral dos pedidos contidos na inicial, deverá a BRADESCO SAÚDE arcar com a totalidade das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação.
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