LUIZ FLÁVIO GOMES*
Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa
Recente julgado (REsp 961.863) do STJ informa ser prescindível a apreensão da arma e a posterior realização de perícia para que se configure o delito de roubo circunstanciado (artigo 157, § 2º, I, CP).
O tema já se encontra pacificado no Supremo Tribunal Federal. Em maio do ano passado, ao julgar o RHC 103.544, a Primeira Turma do Supremo fixou o mesmo entendimento: (…) I – Não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que essa qualidade integra a própria natureza do artefato (…). Em outro julgado (HC 97420), o Ministro Dias Toffoli assim se posicionou:
A decisão questionada está em perfeita consonância com a jurisprudência desta Suprema Corte, fixada no sentido de que “o reconhecimento da causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal prescinde da apreensão e da realização de perícia na arma, quando provado o seu uso no roubo, por outros meios de prova”.
Desta vez foi a Quinta Turma do Tribunal da Cidadania que se posicionou sobre o tema. O fundamento é o mesmo utilizado no Supremo, qual seja, se o emprego da arma puder ser provado por outros meios não se faz necessária a perícia.
O ministro Gilson Dipp alerta, no entanto, para o fato de que a divergência existente entre as Turmas da Terceira Seção do STJ era quanto à lesividade da arma: ambas reconhecem a possibilidade de incidência da majorante quando o uso é demonstrado por outros meios, mas a Sexta Turma exigia a prova de potencial lesivo da arma (STJ). Mas com o presente julgado, prevaleceu o entendimento de que a arma é em si efetivamente capaz de produzir lesão, isto porque o conceito de arma já traz em si a ideia de potencial lesividade. Nas palavras do Ministro Ricardo Lewandowski, o potencial lesivo de uma arma de fogo integra sua própria natureza: “lesividade in re ipsa”, ou seja, presumida (HC 96.099).
Conforme já nos manifestamos em outra oportunidade (in Portal LFG – 05.07.10), entendemos que a potencialidade lesiva da arma não se confunde com poder de intimidação. A criminalização da arma de fogo e a sua incidência como causa de aumento de pena, não tem como fundamento esse poder de intimidação (fundado nas teorias subjetivistas, que alimentam o danoso Präventionstrafrecht), senão a sua potencialidade lesiva concreta (teorias objetivistas, que demarcam o Verletzstrafrecht).
Dizer que a arma de fogo, por si só, já significa lesividade não passa de uma mera presunção. O juiz parte de uma presunção que pode não ser verdadeira. Claro que a arma de fogo, que está em condições de ser usada, já representa um concreto perigo. Mas é preciso comprovar que está em condições de ser usada. Ou se faz a perícia, ou se comprova isso de outra maneira (por exemplo: se houve um disparo). Não havendo prova concreta da potencialidade lesiva da arma, tudo não passa de presunção do juiz. E no direito penal não se admite presunções contra o réu. Nada é mais presuntivo que o equívoco de uma presunção. O ânimo punitivo do juiz não pode chegar ao extremo de julgar um caso com base numa presunção sua. O limite máximo do julgamento reside na comprovação concreta daquilo que serve de base para uma condenação penal.
*LFG – Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook. Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.
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