A alimentação é uma necessidade básica do ser humano desde a sua origem mais ancestral. Quando nômade, vivendo da coleta e da caça, o homem aprendeu a identificar na natureza quais os componentes que poderiam ser ingeridos como alimentos e quais eram tóxicos e potencialmente nocivos. No período neolítico, com o desenvolvimento da agricultura e a domesticação dos animais, o homem ampliou sua possibilidade de alimentação tanto em quantidade como em diversidade, não necessitando andar atrás do alimento, passando a ser sedentário. Essa mudança, associada ao domínio do fogo e o cozimento dos alimentos, produziu transformações adaptativas que se mantiveram por milhares de anos.
Várias culturas antigas utilizavam o alimento como principal forma de preservação da saúde. Desde lá o alimento já não era considerado como um simples suplemento energético, mas a essência do equilíbrio do organismo. A cultura moderna, pós revolução industrial, modificou de forma muito rápida esta tradição milenar e a noção de alimento como fator de preservação da saúde foi esquecido. Deu lugar à noção da alimentação como lazer e de satisfação que pode e deve ser alcançada, rapidamente, através daquele alimento gostoso, crocante, doce, etc...
O câncer é uma doença complexa que pode atingir diversos órgãos e sistemas e que tem sua origem em uma disfunção na unidade básica do organismo que é a célula. Essa disfunção pode ser causada pela agressão de substâncias químicas, radiações, vírus (que funcionam como agentes cancerígenos) ou ainda por um excesso de radicais livres produzidos pela própria célula e não adequadamente inativados. Normalmente, nossas células estão expostas a estes agressores e conseguem reparar os danos causados por eles, impedindo que as suas funções sejam alteradas. Porém, em algumas células, eventualmente, esses reparos não são suficientes e o dano leva essas células a se reproduzirem de forma desordenada.
Esse crescimento desordenado de um determinado grupo de células é o que caracteriza o câncer. Essas células passam a invadir tecidos vizinhos e muitas delas espalham-se pelo organismo através das chamadas metástases, instalando-se em órgãos distantes de sua origem, onde as células cancerosas continuam com sua reprodução desenfreada. Entretanto, essa transformação não ocorre de forma imediata, podendo evoluir durante vários anos até o processo se manifestar e aparecerem os primeiros sinais clínicos da doença.
O câncer é a segunda maior causa de morte nos países desenvolvidos e um terço de todos os cânceres é atribuído a fatores nutricionais relacionados à má alimentação, incluindo obesidade. Resultados de vários estudos epidemiológicos apontam os possíveis fatores na alimentação que servem como proteção ao câncer. Quanto maior o consumo de frutas e legumes, menor o risco da pessoa desenvolver a doença.
Na concepção alimentar ocidental moderna, o principal objetivo da alimentação é obter energia; dessa forma, alimentos mais ricos em calorias são a base do padrão alimentar, estando os alimentos menos calóricos como frutas e legumes, relegados a um segundo plano.
A alimentação pode afetar o desenvolvimento do câncer por meio de duas vias principais:
a primeira, pelo excesso de ingestão de alimentos com componentes indutores de alterações celulares que levam ao câncer (por exemplo, gorduras saturadas, alimentos industrializados, alimentos com farinhas e açúcares altamente refinados e com alto índice glicêmico); | |
a segunda via é pela falta de alimentos que impedem o desenvolvimento de alterações celulares precursoras do câncer (frutas, legumes). Portanto, uma alimentação equilibrada ataca o desenvolvimento do câncer em duas frentes, reduzindo a ingestão de substâncias que, em excesso, são potencialmente cancerígenas e combatendo o desenvolvimento do câncer por meio de moléculas anticancerígenas presentes em alimentos na sua forma natural (principalmente os vegetais). | |
drogas ou medicamentos (nicotina, cafeína, álcool, maconha, anticoncepcionais, sedativos, tranquilizantes, antidepressivos, antiinflamatórios, antibióticos, etc.) |
As frutas e legumes contêm, além dos componentes classificados como macronutrientes (proteínas, lipídios e carboidratos) e micronutrientes (vitaminas e minerais), uma terceira classe de nutrientes chamados de fitoquímicos, presentes em abundância nestes alimentos. Esses fitoquímicos são os principais fatores das frutas e legumes que oferecem proteção contra o câncer, superando inclusive, os já conhecidos efeitos benéficos das vitaminas e fibras contidas neles.
Nas plantas, os fitoquímicos têm um papel de proteção contra agressões, funcionando como antibacterianos, inseticidas, fungicidas, etc. Paradoxalmente, estes fitoquímicos que são tão benéficos para a saúde humana, são também os responsáveis pela aversão que os vegetais provocam em algumas pessoas. São estes fitoquímicos que conferem adstringência, odor e amargor aos vegetais.
Os fitoquímicos são agrupados em famílias químicas (polifenóis, terpenos, compostos sulforados e saponinas) subdivididas em classes (flavonóides, ácidos fenólicos, carotenóides, etc.) e em subclasses (isoflavona, taninos, antocianidinas, etc.) Estes compostos atuam como anticancerígenos por meio de vários mecanismos de ação:
impedem a ativação de substâncias cancerígenas; | |
interferem nas células tumorais impedindo seu crescimento; | |
reduzem a neoangiogênese (formação de novos vasos sanguíneos) essencial para o desenvolvimento dos tumores; | |
funcionam como antioxidantes combatendo os radicais livres; | |
estimulam o sistema imunitário aumentando o grau de defesas contra alterações celulares. |
Muitos destes mecanismos são os almejados pelas drogas sintéticas produzidas para combater o câncer.
Os principais alimentos com seus compostos que oferecem proteção contra o câncer são os seguintes:
GRUPO ALIMENTAR | ALIMENTOS | PRINCIPAIS COMPOSTOS ANTICANCERÍGENOS |
CRUCÍFERAS (COUVES) | Repolho, brócolis, couve-flor, couve-verde, mostarda, couve-de-bruxelas, couve chinesa, rabanete, agrião, nabo | GLICOSINOLATOS E ISOTIOCIANATOS |
ALLIUM | Alho, cebola, alho-poró, cebolinha | COMPOSTOS SULFORADOS |
SOJA | Grãos, molho, tofu, leite de soja | ISOFLAVONA E GINISTEÍNA (Fitoestrógeno) |
CURCUMA LONGA | Cúrcuma (tempero) | CURCUMINA |
CHÁ (Camillia sinensis) | Chá verde, chá preto | POLIFENÓIS (Catequinas) |
FRUTAS VERMELHAS | Mirtilo | ÁCIDO ELÁGICO E ANTOCIANIDINAS |
NOZES | Nozes (pecã), linhaça | ÁCIDO ELÁGICO E ÔMEGA 3 |
PEIXES | Sardinha, salmão, arenque, truta, atum | OMEGA 3 |
CÍTRICOS | Limão, laranja, tangerina, toranja | NARINGENÍNA E VITAMINA C |
VINHO | Vinho tinto | POLIFENÓIS (resveratrol) |
CACAU | Chocolate amargo (70%) | POLIFENÓIS (catequinas) |
O conjunto de estudos científicos acumulados até hoje indicam que a maioria dos cânceres tem o seu desenvolvimento influenciado por fatores modificáveis, não hereditários, e que aspectos relacionados com o estilo de vida como hábitos alimentares, atividade física e controle do tabagismo, exercem um papel preponderante na prevenção do câncer. Dentre estes aspectos, a alimentação equilibrada desponta como uma das ferramentas mais eficazes para reduzir o risco de câncer, sendo os alimentos de origem vegetal uma fonte essencial de moléculas com propriedades quimiopreventivas.
Ter uma alimentação rica em frutas e legumes é como fazer um tratamento diário com baixas doses de substâncias que impedem o desenvolvimento do câncer.
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