(Arte do Blog 'marcelocunhadearaujo')
(Foto FMB)
Professor Flávio Monteiro de Barros
Coordenador Pedagógico do Curso FMB
BREVÍSSIMOS COMENTÁRIOS À LEI 12.403, DE 04 DE MAIO DE 2011
A Lei 12.403, de 04 de maio de 2011, que entrará em vigor em 04 de julho de 2011, ou seja, 60 dias após a data de sua publicação (art. 3º), alterou o Título IX do Código de Processo Penal, introduzindo profundas modificações no que concerne às medidas cautelares pessoais.
Por Ronaldo Barberis Filho
Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal do Curso FMB.Trata-se de mais uma minirreforma do Código de Processo Penal, já substancialmente modificado pelas Leis 11.689, 11.690 e 11.719, todas de 2008.
Vejamos, en passant, os principais aspectos da nova Lei.
I-) Generalidades:
1-) O Título IX do CPP – “Da Prisão e Liberdade Provisória” – passou a chamar-se “Da Prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória”.
Anote-se, desde logo, a impropriedade técnica do aludido Título, já que, como é cediço, a prisão e a liberdade provisória também são medidas de natureza cautelar.
2-) Para que se justifique à luz da presunção de não culpabilidade a possibilidade de imposição de medidas que atinjam o direito à liberdade ou configurem qualquer forma de coação antes da condenação definitiva, é imprescindível que atendam à cautelaridade, ou seja, à necessidade de proteção da sociedade ou da persecução penal. É o que a doutrina chama de periculum in mora ou, em matéria de prisão, periculum libertatis, traduzido por risco da liberdade plena.
Bem por isso, o art. 282 estabelece que à aplicação das cautelares não se prescinde da: “I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.”
Destaque-se que, a par da necessidade da medida para salvaguardar o sucesso da persecução penal (investigação, instrução e aplicação da lei penal) ou a sociedade (evitar a prática de novos delitos), a medida deve ser proporcional à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do agente.
Note-se que a lei parece referir-se à gravidade abstrata do crime como fundamento para a medida cautelar. Assim não fosse, não se justificaria a ela fossem acrescentadas as circunstâncias (concretas) do fato.
Logicamente, além do periculum libertatis, é indispensável a existência do fumus boni juris ou fumus comisi delicti, traduzido por indícios suficientes da existência do crime e da respectiva autoria ou participação.
3-) As cautelares podem ser estabelecidas isolada ou cumulativamente (art. 282, § 1 º), podendo o Juiz revogá-las ou substituí-las quando verificar a ausência de motivo para que subsistam, assim como voltar a decretá-las caso sobrevenham razões que as justifiquem (art. 282, § 5º).
A urgência, a instrumentalidade, a revogabilidade, a substitutividade, a provisoriedade e a excepcionalidade são notas características das medidas cautelares.
4-) A propósito, criou o legislador curioso contraditório, incompatível com a urgência ínsita às cautelares. O art. 282, § 3º dispõe: “Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.”
Como é fácil perceber, as exceções (urgência ou perigo de ineficácia da medida) tornar-se-ão a regra.
5-) O Juiz não mais poderá decretar medidas cautelares de ofício durante a fase investigatória da persecução penal. Dependerá, pois, de pedido do membro do Ministério Público ou representação da Autoridade Policial. No curso do processo, ou em caso de descumprimento de outra cautelar, não haverá óbice algum para que atue de ofício (art. 282, §§ 2º e 4º).
6-) Relativamente ao descumprimento de medida cautelar, o Juiz poderá, a qualquer momento, de ofício ou mediante requerimento do órgão do Ministério Público, do Assistente de acusação ou do querelante, substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). Dois aspectos merecem destaque:
a-) o Assistente do Ministério Público poderá requerer a substituição ou a cumulação de medidas cautelares em caso de descumprimento, bem como postular a decretação da prisão preventiva;
b-) a prisão preventiva, por ser a mais gravosa de todas as cautelares, só poderá ser imposta em último caso; cuida-se claramente de ultima ratio. E o § 6º explicita ainda mais a máxima excepcionalidade da custódia preventiva nos
seguintes termos: “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).”
7-) Proibiu o legislador (art. 283, § 1º) a aplicação de medidas cautelares às infrações penais a que não se comine pena privativa de liberdade. Assim, verbi gratia, os investigados ou acusados pelo crime de posse de drogas para uso pessoal (art. 28 da Lei 11.343/06) não estarão sujeitos a qualquer das cautelares previstas no Título IX do CPP.
II-) Prisão em flagrante:
1-) Finda a lavratura do auto de prisão em flagrante (instrumento cuja finalidade é documentar essa espécie de prisão, realizada sem mandado), a Autoridade Policial tomará as seguintes providências, todas no prazo máximo de 24 horas, a contar da realização da prisão:
a-) entregará a nota de culpa ao preso;
b-) comunicará ao Juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública (esta última caso o autuado não informe o nome de seu Advogado), remetendo-lhes cópia integral do auto de prisão em flagrante.
A principal novidade é a comunicação do flagrante ao representante do Ministério Público.
O Magistrado, então, à vista do auto de prisão em flagrante, poderá tomar uma das seguintes decisões (art. 310):
I-) relaxar a prisão ilegal;
II-) converter a prisão em flagrante em preventiva, quando a prisão for legal e necessária (presentes os requisitos do art. 312) e insuficientes ou inadequadas as medidas cautelares diversas da prisão;
A prisão preventiva, frise-se, é a última possibilidade.
III-) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, quando a prisão for legal, mas desnecessária: poderá o Juiz, se for o caso, observando os critérios do art. 282, cumulá-la com medidas cautelares do art. 319 (art. 321).
Verificando o Juiz, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato acobertado por excludente de ilicitude, deverá, motivadamente, conceder a ele liberdade provisória. Subscreverá o liberado termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação (art. 310, parágrafo único).
Fica a dúvida, na última hipótese, se a revogação da liberdade provisória restabeleceria a prisão em flagrante ou imporia a decretação de outras cautelares (se necessárias e adequadas à espécie nos termos do art. 282, I e II). É vedada, porém, a decretação de prisão preventiva (art. 314).
III-) Prisão preventiva:
1-) O legislador manteve no art. 312 os requisitos para a decretação da prisão preventiva: fumus comissi delicti (prova do crime + indício suficiente de autoria ou participação) e periculum libertatis (necessidade de garantia da ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal ou da aplicação da lei penal).
2-) O Juiz não poderá decretar a prisão preventiva, de ofício, durante o inquérito policial, mas tão somente no curso do processo criminal. Durante a investigação, o fará a pedido do órgão do Ministério Público ou por representação da Autoridade Policial (art. 311).
O referido dispositivo legal facultou ao Assistente do Parquet a possibilidade de requerer a decretação da custódia preventiva. Entretanto, vale lembrar que só é possível o ingresso do Assistente após recebida a denúncia (art. 268).
3-) Pressupostos de admissibilidade (art. 313):
A prisão preventiva será admitida:
I - nos crimes dolosos cuja pena privativa de liberdade máxima seja superior a 4 anos; OU
II - se o agente for reincidente em crime doloso; OU
III - se o delito envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Só há previsão de medidas protetivas de urgência na Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”), que visa coibir violência doméstica e familiar contra a mulher. Daí o porquê o dispositivo, ao que tudo indica, só se aplicará nessas hipóteses.
No parágrafo único do art. 313, foram previstas outras duas hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva:
a-) quando houver dúvida sobre a identidade civil do agente; ou
b-) quando o agente não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la.
Deve o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, exceto se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
O dispositivo legal não esclarece se a Autoridade administrativa responsável pela prisão poderá, independentemente de alvará judicial, colocar a pessoa identificada em liberdade.
Malgrado defensável a resposta positiva, a ressalva de que a prisão persistirá se “outra hipótese recomendar a manutenção da medida” torna necessária, ao que parece, a submissão de eventual soltura do identificado à apreciação judicial.
4-) Descumprimento de outras cautelares (art. 312, parágrafo único): se houver descumprimento de cautelares diversas da prisão, o Juiz, em último caso, de ofício ou a requerimento, nos termos do art. 282, § 4º, deverá decretar a prisão preventiva.
5-) A prisão preventiva poderá ser decretada como medida autônoma, em caso de conversão de flagrante, ou ainda, na situação de descumprimento de outras cautelares.
6-) A decisão (impropriamente chamada de “despacho” na dicção legal) que decreta, substitui ou denega a prisão preventiva deve ser motivada (art. 315), sendo insuficiente a mera repetição da letra da lei. Cuida-se de exigência que decorre da própria Constituição Federal (art. 93, IX).
IV – Prisão domiciliar:
1-) Inovou o legislador ao prever a possibilidade de prisão domiciliar. Consiste ela no recolhimento do indiciado ou do acusado em sua própria residência. Imposta a custódia, só poderá o preso ausentar-se do local por intermédio de decisão judicial (art. 317).
2-) Trata-se de prisão que substitui a preventiva quando o agente for (art. 318):
I – maior de 80 anos;
II – extremamente debilitado por doença grave;
III – imprescindível aos cuidados especiais de criança menor de 6 anos de idade ou deficiente;
IV – gestante a partir do 7º mês de gravidez, ou se esta for de alto risco.
Para que se perfaça a substituição, deverá ser apresentada prova idônea de alguma das situações indicadas (art. 318, parágrafo único).
V – Mandado de prisão:
1-) Os mandados de prisão serão registrados, por determinação dos Magistrados, imediatamente após as respectivas expedições, em banco de dados específico para esse fim, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (art. 289-A, caput ). Haverá regulamentação da questão por parte do Conselho Nacional de Justiça (art. 289-A, § 6º).
2-) Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão ordenada em mandado registrado no Conselho Nacional de Justiça, ainda que fora da competência territorial do Juiz que determinou sua expedição (art. 289-A, § 1º).
A falta de registro do mandado não impedirá que qualquer agente policial realize a prisão. Todavia, o Juiz que determinou sua expedição deverá ser comunicado e providenciar, em seguida, o registro do mandado (art. 289-A, § 2º).
Aliás, a prisão será imediatamente comunicada ao Juiz do local de cumprimento da medida. Este determinará a extração de certidão do registro do Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou (art. 289-A, § 3º). A Defensoria Pública será comunicada caso o preso não informe o nome de seu Advogado (art. 289-A, § 4º).
3-) No caso de prisão por precatória (art. 289), o Juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30 dias, contado da efetivação da prisão (art. 289, § 3º).
Ao que parece, o prazo é para que a remoção do preso à comarca em que está sendo processado efetivamente ocorra.
V – Outras medidas cautelares:
1-) Arrolou o art. 319 nove medidas cautelares diversas da prisão. A seu turno, o art. 320 estabelece mais uma.
2-) Vejamos quais são essas medidas:
“I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.”
Dentre elas, as mais interessantes, porquanto revestidas de inequívoca efetividade, são as dos incisos VI, VII, VIII e IX. Esta última, necessariamente cumulada com a do inciso II, IV ou V (ou ainda com a do artigo seguinte), tem por escopo garantir a fiscalização de seu cumprimento.
O art. 320 estatui a medida de proibição de ausentar-se do País. O Juiz a comunicará às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional. O indiciado ou acusado será intimado para, no prazo de 24 horas, entregar seu passaporte.
Não explicita a Lei se o rol de medidas é taxativo (numerus clausus) ou exemplificativo (numerus apertus). Considerada a excepcionalidade máxima da prisão preventiva, parece-nos viável a aplicação do poder geral de cautela do art. 798 do CPC por analogia (permitida pelo art. 3º do CPP), visando à imposição de medida menos restritiva do que a prisão preventiva. O rol, nessa visão, é numerus apertus.
VI – Fiança:
1-) Repetindo o Texto Constitucional (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV), o legislador arrolou como inafiançáveis o racismo, os crimes hediondos, os a eles equiparados (tortura, tráfico ilícito de drogas e terrorismo) e os crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 321, I a III).
No art. 324 vedou igualmente a fiança: àqueles que, no mesmo processo, tiveram-na quebrado ou infringido sem justo motivo alguma das obrigações dos arts 327 ou 328; em caso de prisão civil ou militar e, por óbvio, se presentes os requisitos autorizadores da decretação da prisão preventiva.
Importante: o CPP não estabelece as hipóteses em que cabe fiança. Assim, a contrario sensu, é que se deduz as situações em que seu arbitramento se torna possível.
2-) Ampliou-se muito a possibilidade do Delegado de Polícia conceder liberdade provisória mediante fiança. Permite-se-lhe arbitrar fiança às infrações cuja pena máxima privativa de liberdade de até 4 anos (art. 322). Nas demais hipóteses, inclusive quando a Autoridade Policial recusar-se ou retardar sua concessão, o pedido deverá ser formulado ao Juiz, que decidirá no prazo de 48 horas (art. 322, parágrafo único e art. 335).
3-) Finalidades da fiança: substituir a prisão provisória; garantir o cumprimento das obrigações do afiançado (arts 327 e 328); garantir o pagamento das custas processuais, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa se o réu for condenado, ainda que haja prescrição da pretensão executória (art. 336 e parágrafo único).
O art. 319, VIII destaca que a fiança pode ser imposta, quando cabível, com o intuito de assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução de seu andamento ou em caso de resistência não justificada à ordem judicial.
4-) Valor da fiança (art. 325): a Autoridade a arbitrará dentro dos seguintes limites: “I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.”
Consoante a situação econômica do preso, a fiança será (art. 325, § 1º):
I – dispensada, sujeitando-o, porém, às obrigações dos arts 327 e 328 (subscrição de termo de compromisso de comparecimento a todos os atos a que for intimado; proibição de mudar-se de residência sem prévia autorização judicial; proibição de ausentar-se de sua residência por mais de 8 dias sem comunicação ao Juiz acerca do local onde será encontrado). Descumpridas, sem justo motivo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplica-se o disposto no § 4o do art. 282.
II – reduzida até o máximo de 2/3; ou
III – aumentada em até 1000 vezes.
5-) A quebra da fiança ocorrerá quando o acusado:
“I – regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo;
II – deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo;
III – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança;
IV – resistir injustificadamente a ordem judicial;
V – praticar nova infração penal dolosa.”
As consequências são as seguintes: perda de metade do valor e possibilidade de imposição de medidas cautelares; em último caso, será decretada prisão preventiva (art. 343).
6-) Já a perda – do total do valor da fiança – ocorrerá se, condenado definitivamente, o réu não se apresentar para o início de cumprimento da pena. Na realidade, basta que o agente não se oculte ou não dificulte o cumprimento do mandado.
Por Ronaldo Barberis Filho
Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal do Curso FMB.
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